Fomos surpreendidos
nos últimos dias com a notícia de que o KfW[1] – banco público alemão– iria financiar as
pequenas e médias empresas portuguesas, espanholas e gregas em dificuldades
financeiras.
A boa nova, como aliás
todas as boas notícias que aparecem em Portugal, foi transmitida pelo Vítor
Gaspar[2],
depois de instruido pelo seu chefe, Wolfgang Schauble, ao seu lado, na
divulgação da intenção alemã de prestar ajuda a Portugal. Schauble é ministro
alemão das Finanças e por acaso do destino, também o presidente do conselho de
supervisão do KfW. Enfim, dois em um, numa demonstração de produtividade e de
poupança de recursos, para os preguiçosos e gastadores meridionais europeus.
Gaspar disse, na
ocasião, as imbecilidades de um lambe-botas pois, a alternativa seria proferir
aldrabices com ar sério. Como é habitual, Gaspar recorda-nos que a Alemanha
quer ajudar os países do Sul a criar emprego e afastar a má imagem do cruel
patrão teutónico, usando para o efeito a tradição benemérita do KfW. E,
bajulador, agradeceu, na presença do "bom amigo", "o apoio e
amizade do governo alemão", esse “activo precioso”… O cretino, na sua
formação maniqueista de mercado, só conhece activos e passivos. Nós, somos
certamente passivos a laminar.
Infelizmente, não
conseguimos esquecer que o mesmo Schauble se encarniça sempre pelo cumprimento
da agenda da troika que, em nada ajuda ou promove a melhoria da vida dos povos
do Sul. Schauble, não sendo maneta tem duas mãos, uma que diz que dá e a outra
que tira. Segundo a revista Der Spiegel, parece que Merkel está preocupada com
a sua imagem junto dos povos do Sul e no que isso pode prejudicar as
exportações alemãs… Deutschland uber alles!
Aparentemente, o KfW
irá financiar os falidos bancos portugueses com uma parte dos € 10000 M a
disponibilizar aos PIIGS, - também conhecidos por GIPSI (exala desta última
designação um cheiro racista…) - para que o dinheiro chegue às descapitalizadas
PME lusas. Claro que os estimáveis banqueiros saberão ganhar uma comissão.
Em Espanha o dinheiro
será transferido para o Instituto de Crédito Oficial (ICO), que o colocará à
disposição das empresas. Para além disso o KfW participaria com uns € 1200 M
num fundo de capitais de risco[3] .
Aqui, aparentemente sem a interferência dos bancos.
Todos sabemos que quem
paga escolhe a música e o local do concerto. Isto é, serão escolhidas
judiciosamente as empresas a financiar de acordo com os interesses estratégicos
alemães, não sendo de estranhar que sejam empresas com potencial exportador,
criador de sinergias para a Alemanha ou, importadoras de bens alemães para o parco
mercado global português. E se essas empresas vierem a ser compradas por
capitais alemães ninguém certamente estranhará; uma das vantagens potenciais desse
“takeover” seria a estabilização de algum emprego e o pagamento tempestivo das
contribuições para a Segurança Social a que os empresários lusos se furtam na
primeira dificuldade.
Quem se lembra da
Treuhand?
A propósito desta
operação que se estará a configurar com mais detalhes, surge inevitavelmente na
memória o que se passou com a Treuhand, nos anos 90, após a absorção da antiga
Alemanha de Leste (RDA) pela Alemanha Ocidental (RFA), num processo designado
por “reunificação”.
A Treuhand foi uma
agência pública criada em junho de 1990 com a finalidade de privatizar as
empresas estatais do Leste (Volkseigene Betriebe (VEBs). Num processo
relativamente rápido, a agência reestruturou e vendeu 8500 empresas com um
volume inicial de 4M de trabalhadores mas que deixou 2.5 M no desemprego, ainda
hoje mais elevado no Leste do que no Ocidente do país. O processo foi de tal
forma violento que o primeiro presidente da Treuhand foi assassinado por um
desconhecido após seis meses no cargo.
A Treuhand apossou-se
também de 2.4 M de hectares de terras agrícolas e florestais, dos bens da
sinistra pide local - a Stasi - e ainda de parte substancial da propriedade das
forças armadas, das habitações pertencentes ao Estado e da rede de farmácias.
O negócio surgia de
tal forma prometedor que a Treuhand foi criada em junho de 1990 e o tratado da
reunificação apenas em 3 de outubro, cerca de quatro meses depois. Depois desta
última data a Treuhand ainda se apossou dos bens do SED o partido-guia e dos
seus satélites, bem como das organizações de massas (sindicatos, órgãos
juvenis, etc).
A operação de saque e
privatização foi dada por terminada em 1994 com um prejuizo contabilizado na
Treuhand de 260/270000 M de marcos, não se conhecendo queixas por parte dos
compradores. Como ainda restavam muitos bens não vendidos, à Treuhand sucederam
três agências, para gerir o que sobrava das empresas públicas, do imobiliário e
dos terrenos agrícolas ou florestais e que prosseguiram o seu afã privatizador.
Este processo de compra de bens públicos no Leste deverá relacionar-se com a
estagnação do investimento nacional no exterior (média de $ 19398 M em 1991/94,
contra $ 55118 M em 1995/98[4]).
Sabemos do processo de
drenagam financeira dos países do Sul para o sistema financeiro global,
mormente para o sediado no Norte da Europa [5]. Ora,
sabendo-se da histórica descapitalização das empresas, que os bancos
portugueses não têm margem para a assunção de riscos financeiros, há condições
para os capitais acumulados na Europa do Norte encontrarem aplicações
interessantes para o reforço da complementaridade subalterna entre a economia
portuguesa e, neste caso concreto, a alemã. Por outro lado, a tendência para
uma forte baixa dos salários e restantes custos laborais torna também apetecível
algum investimento dentro da zona euro, uma vez que esses menores custos
associados a distâncias mais curtas de transporte, pode encaminhar para
Portugal algum investimento que, antes da crise e dos memorandos estariam
melhor colocados em outras paragens. E, para mais, utilizam muito bem os
mainatos lusos (Cavaco, Passos, Gaspar, Seguro…) dedicados subscritores dos
memorandos da troika, encomendados pela estratégia alemã.
Documentos
e textos em:
http://pt.scribd.com/people/documents/2821310?page=1
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] O KfW é um descendente
do velho Kreditanstalt für Wiederaufbau instituição criada em 1948 para aplicar
o Plano Marshall e promover a melhoria sustentável das condições de vida. O KfW
recolhe fundos no mercado financeiro contra a entrega de títulos garantidos
pelo Estado federal.
Só cerca de 10% dos empréstimos concedidos se destinam para o exterior,
através da subsidiária KfW IPEX Bank GmbH. Os empréstimos que concede cobram
juros mais baixos que os vigentes no mercado e os prazos são também mais
largos, sem concorrer com os bancos privados. O KfW é um género de zelador dos
interesses globais do capital alemão e um facilitador da penetração das grandes
empresas germânicas no exterior.
[2]http://economico.sapo.pt/noticias/banco-estatal-alemao-vai-apoiar-empresas-portuguesas_169731.html.
[4] Fonte: CNUCED/UNCTAD
[5] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/03/a-instrucao-e-o-modelo-economico-para-o.html
Sem comentários:
Enviar um comentário