20120615

Do incumprimento da Democracia

"A representação democrática exige que se fomente a autonomia individual, isto é, que as pessoas sejam capazes de produzir os seus próprios interesses a partir da reflexão crítica sobre o mundo e do diálogo com os seus semelhantes. Formas de representação como advocacy, embora possam trazer benefícios a curto prazo para integrantes de um ou outro grupo social, não estimulam o exercício dessas autonomias" (Miguel, 2011).

"A ideia de advocacy tende a equivaler interesses e necessidades, ou mesmo priorizar estas últimas. Trata-se de uma posição congruente com o seu viés paternalista: a ênfase em encessidades, em vez de interesses, acomoda-se mais facilmente com a decisão por experts" (Phillips, 1995).

"Autonomia significa que, embora sejamos seres sociais, somos capazes de desenvolver competências que nos permitem avaliar criticamente as tradições e valores que herdamos" (Barclay, 2000).

"Entendida como um bem social. necessário à Democracia, estabelece a necessidade de universalização dos recursos materiais, informacionais e cognitivos que permitem o seu desenvolvimento" (Miguel, 2011).

"Aqueles que possuem menos recursos para a participação política encontram porta-vozes que se dispõe a prover as suas necessidades e o seu bem-estar. É uma falsa solução, que perpetua a exclusão política e não valoriza a conquista de autonomia" (Miguel, 2011).


A Democracia em Portugal é, clara e tristemente, um projecto deixado a meio. E deixado a meio conscientemente por aqueles que mais beneficiam do facto de ter sido deixando a meio.

Enquanto a diferença entre o político profissional e o cidadão comum se mantiver, o primeiro pode eternizar-se no exercício do poder. Pode defender essa eternização com o facto de ter uma expertise que o cidadão comum não tem. E pode continuar a contribuir a ausência dessa expertise com a legislação que aprova.

Enquanto o cidadão comum não se aperceber de como se deixa, desta forma, enlear numa teia que reproduz e eterniza desigualdade, de como é mantido num confortável alheamento para o qual é convidado a convocar substitutos como as religiões, sejam elas de natureza eclesiástica, desportiva, ou outra, dificilmente se dará conta de que é do seu mundo e da sua vida que assim abdica. Ou do quão facilmente defenderá esse alheamento e esses substitutos, ao deles depender toda a sua identidade e auto-estima, garantindo dessa forma que qualquer aviso ou crítica será automaticamente recusado.

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