20120729

A dívida à Segurança Social - o longo conluio entre empresários manhosos e o Estado


A dívida à Segurança Social - o longo conluio entre empresários manhosos e o Estado

Por cada minuto que passa, a Segurança Social e o conjunto dos trabalhadores e aposentados são lesados em € 1903, a favor dos capitalistas mais inúteis.

O acréscimo da dívida entre 2010 e 2011 daria para aumentar em € 10.9 por cada cem euros, as pensões de velhice.

Sumário

0 – Resumo das conclusões

1 - Uma questão elementar e urgente de política e ética
2 - A história da gestão ruinosa do PS/PSD e do apêndice CDS

  1. O final do cavaquismo (1988/95)
  2. Os tempos da “tralha guterrista” (1996/2001)
  3. O dealbar do século XXI e a operação titularização (2002/2005)
  4. O saque a céu aberto (2006/…)

3 - Cálculos emblemáticos do roubo sistémico através da dívida

Nota:
     Referência a outros textos sobre a dívida, elaborados por Grazia Tanta









A dívida à Segurança Social - o longo conluio entre empresários manhosos e o Estado


0 – Resumo das conclusões


Uma questão elementar e urgente de política e ética

  • A Segurança Social é um fundo coletivo dos trabalhadores para a garantia de rendimentos de substituição em casos de aposentação, doença ou desemprego. Nada tem a ver com a máquina do Estado;
  • As contribuições pagas para a Segurança Social têm uma aplicação consignada a fins específicos da vida laboral das pessoas. O dinheiro arrecadado não pode ser utilizado pelos governos, para reduzir o deficit do Estado;
  • Nas mãos do partido-estado - o PS/PSD - os trabalhadores perdem muito do seu dinheiro descontado para a Segurança Social, em favor de empresários vigaristas. E ao mesmo tempo vêem reduzir-se as prestações sociais e os seus direitos;
  • Não é por culpa dos trabalhadores que os capitalistas são, em regra incapazes como gestores, curtos de conhecimentos mas ávidos predadores do Estado e do que pertence aos trabalhadores;
  • Há uma política do partido-estado que procura descapitalizar e descredibilizar a Segurança Social para favorecer o sistema financeiro em geral e as seguradoras em particular; 
  • A Segurança Social é um elemento de solidariedade e de coesão dos trabalhadores que evidencia o caráter global da produção, que exclui capitalistas e patrões, como entes desnecessários ao processo produtivo; a sua apropriação e desvirtuação por capitalistas e governos é um modo de destruir essa coesão solidária e substitui-la por um individualismo que enfraquece todos os trabalhadores;
  • A melhoria do sistema de Segurança Social passa pela reafetação do valor produzido de que os capitalistas se apossam – com o constante apoio do Estado – sacando em proveito próprio o aumento da riqueza resultante dos aumentos da produtividade do trabalho;
  • Faz todo o sentido, num quadro de reivindicações populares no seio de um regime de democracia de mercado, colocar como urgente a separação da Segurança Social do perímetro de consolidação das contas públicas.


A história da gestão ruinosa do PS/PSD e do apêndice CDS

  • No estertor do consulado cavaquista, surge um plano Catroga para recuperar dívidas de empresários relapsos, com  fracos resultados. Para tapar o buraco (com uma peneira) Cavaco inventou uma compra de € 349 M de dívida à Segurança Social por parte do Estado;

  • Entretanto, Cavaco em 1984/1995 havia descapitalizado a Segurança Social em € 6017 M, o equivalente às contribuições cobradas em 1995, para cobrir o deficit do Estado. Este tema nunca mereceu relevância devida por parte dos partidos e dos sindicatos;

  • O governo Guterres decidiu através do plano Mateus minorar a relevância da dívida e, simultaneamente, promover uma reconfiguração do tecido industrial, com a entrada de novos capitais e uma intervenção decisiva dos bancos. Se a primeira componente teve algum sucesso temporário, a segunda falharam totalmente;

  • Com o novo século surge no léxico diário a questão do deficit público acompanhado com a estagnação económica e o desemprego. E isso não impede a subreptícia transferência de fundos para empresários vigaristas;

  • O crescimento acelerado da dívida coexiste com a redução da informação pública sobre a sua composição, precisamente quando as capacidades para o seu fornecimento melhoram substancialmente. A cacofonia dos consultores informáticos e a incompetência dos dirigentes da Segurança Social provenientes da área CDS fazem parte substancial do processo;

  • Em 2002 entra em cena o PSD com Durão, sendo Manuela Ferreira Leite, a dona da área financeira do governo que decidiu atacar o deficit – a mando da UE - com a titularização de dívida fiscal e da Segurança Social. No que se refere a esta última, foram cedidos ao Citigroup, inicialmente, € 1995 M de dívidas por € 306.9 M;

  • No contexto da titularização consideraram-se prescritos ou foram substituídos por insusceptíveis de cobrança, créditos no valor de € 1359.5 M, verba que corresponde, na íntegra, a perdas da Segurança Social a favor de empresários vigaristas;

  • A partir de 2004 a dívida cresce mais de 20% em cada ano que passa ou 662% em todo o período; em contrapartida, o PIB e o volume das contribuições estagnam desde 2008. Uma dívida que não preocupa a troika…

  • Os processos executivos têm cada vez menos valores unitários e nada se  sabe de prescrições  ou anulações de dívidas; dívidas menores, mesmo quando provenientes de pequenas empresas são, em regra, insusceptíveis de total cobrança, uma vez que o devedor cai na falência. Por seu turno, as dívidas de maior vulto têm coeficientes de recuperação baixos e a cobrança é claramente inferior à observada na década anterior;

  • Continuam os planos especiais de ocasiões únicas dadas aos devedores para a regularização das suas dívidas – 2002, 2005 e 2007. E prosseguem as formas tradicionais de desvio de rendimentos da Segurança Social para os bolsos de empresários, como é o caso da omissão de trabalhadores nas declarações de remuneração ou o desvio de de verbas descontadas pelos trabalhadores para alívio da tesouraria das empresas ou conforto da vida privada dos empresários;

  • Nos balanços da Segurança Social é clara, pelos níveis das provisões acumuladas, a assunção de que mais de 90% da dívida com mais de um ano não será recuperada e a inexistência de dados sobre as garantias retidas pela Segurança Social prenunciam que pouco garantem da dívida constituída. Mesmo na dívida com menos de um ano, o nível das provisões mostra que mais de metade está perdida;

  • A concentração de esforços e a propaganda no sentido da recuperação de prestações sociais pagas indevidamente – dívidas de pouco valor resultantes de deficiências administrativas – deve-se, não só à sanha anti-social do PS/PSD, como também à maior probabilidade de recuperação;


Cálculos emblemáticos do roubo sistémico através da dívida

  • Medida em meses de cobrança, a dívida deixou para trás os níveis “estruturais” de 3 a 4 meses, para se situar em 6.2 em 2011;

  • Se a comparação se fizer entre a dívida e o volume de pensões de velhice, o peso da dívida atinge os oito meses de pensões em 2010/2011, o que não sucedia desde 1994;

  • Se a dívida tivesse estagnado em 2011, cada pensionista por velhice teria recebido mais € 10.8 por cada cem euros de pensão; esse valor ficou nos bolsos de um qualquer empresário vigarista, a coberto da proteção do partido-estado;

  • Finalmente, refira-se o papel que a esquerda do sistema tem assumido nesta questão, ignorando-a e aceitando, fiel a uma ideologia de capitalismo de estado, a integração do fundo de coletivo dos trabalhadores no aparelho do Estado português, na engrenagem do partido-estado, PS/PSD. Tentam entreter a plebe anunciando uma vasta “auditoria cidadã” como condição para exigir a renegociação da dívida junto do capital financeiro internacional; como a primeira é inexequível, a renegociação far-se-á entre o governo e a troika, mostrando-se os ilustres “auditores” como papagaios de uma mera obra de propaganda.



1 - Uma questão elementar e urgente de política e ética

Essa situação não é de hoje mas, agrava-se atualmente dada a situação de recessão e recuo civilizacional; a Segurança Social tem sido um amortecedor das crises e das dificuldades do chamado empresariato.

Pretende-se com este texto, ilustrar essa situação e apontar para uma meta essencial de teor democrático e de prevenção do roubo legalizado de que somos vítimas.

A dívida - sobretudo das empresas - à Segurança Social, constitui um verdadeiro sorvedouro de dinheiro, legitimamente pertencente aos trabalhadores e que escorre continuamente para os bolsos de empresários incapazes ou verdadeiros vigaristas. O funcionamento desse fluxo é relativamente desconhecido porque o próprio aparelho da Segurança Social, incrustado nesse gigantesco aspirador de dinheiro que é o Estado, oculta a situação.

No entanto, ele é mensurável. Em média esse roubo é de € 1000 M por ano, € 2.7 M por dia ou, € 114155 por hora. Em cada minuto que o leitor se debruçar sobre este texto, a Segurança Social e o conjunto dos trabalhadores e aposentados são lesados em € 1903. 

Detenhamo-nos sobre uma questão estratégica de ordem política e ética.

Não é somente através da não cobrança de contribuições devidas, que o Estado e o partido-estado que o detém procedem a uma enorme transferência de fundos, dos trabalhadores e dos pensionistas, para empresários relapsos ou para o “mercado”. Cita-se, em seguida - e longe de pretensões de exaustão - um elenco de vias para esse objetivo:

  • O financiamento do Estado, com compra de obrigações de dívida pública, constitui uma forma de o governo utilizar valores afetos a fins específicos para colmatar problemas financeiros resultantes das reticências dos “mercados” em proceder a essas compras. Do ponto de vista do poder cleptocrático, essa compra é uma transferência interna, dentro do Estado. Melhor seria a capitalização ser feita em equipamentos que beneficiassem quem desconta/descontou para a Segurança Social – habitação social, infantários, centros de dia…

  • Ainda no tempo de Sócrates como primeiro-ministro, com a paternidade assumida de um tal Pedro Marques, à data “socretário” de estado da Segurança Social, foi adoptado para os trabalhadores portugueses, o designado “factor de sustentabilidade”. Este consiste em reverter o aumento da longevidade (até ver) em aumento do período de vida ativa, que é como quem diz, mais tempo de trabalho e de descontos, reduzindo-se assim o tempo de aposentação e o volume das pensões de reforma a receber pelos aposentados. O recuo civilizacional desta medida é evidente, pois recusa ser o bem-estar coletivo e das pessoas em particular, o objetivo primordial da gestão social, tal como esquece a repercussão nas pessoas dos benefícios com os aumentos da produtividade verificados durante a vida laboral;

  • A redução dos direitos e das prestações no âmbito do desemprego e da doença por parte dos governos visam, precisamente, colmatar as perdas com o laxismo dos mandarins face a empresários relapsos, como também promover um rebaixamento dos salários e do custo do trabalho para os empresários em geral. A toda a hora, se ouvem mandarins a referir as fraudes e os abusos dos trabalhadores e dos pobres, emitindo, em contraste um total silêncio quanto ao comportamento dos “empregadores”;

  • E ainda se pode referir a utilização das taxas das “contribuições patronais” para a Segurança Social, como instrumento de aumento da competitividade das empresas, com o entusiasmado patrocínio do FMI[1].  Se os capitalistas têm insuficiências, em termos de tecnologia, de equipamento ou capacidade de gestão, é a vida dos trabalhadores, a redução da formação de reservas para a reforma, a doença e o desemprego que tem de as suprir? De facto, os capitalistas nada acrescentam.[2]

Mesmo no quadro de uma democracia de mercado cabe a reivindicação da separação entre os fundos e a gestão da Segurança Social e o Estado, propriamente dito, as autarquias, as regiões autónomas e os serviços autónomos. E fica para já um repto à esquerda do sistema e aos sindicatos para inscreverem essa reivindicação nos seus cadernos de negociação política… Embora tudo indique que não são capazes de o fazer, pois são incorrigíveis devotos dos aparelhos estatais, mesmo quando reconhecem a sua gestão por gangs de malfeitores.

A Segurança Social é financiada pelos descontos diretos, explícitos na folha salarial dos trabalhadores e ainda por parte do salário indireto que é retido na fonte pelo “empregador” a quem compete encaminhar ambas as parcelas para a Segurança Social. As designações de “quotização” ao desconto direto e de “contribuição patronal” ao salário indireto retido pelo capitalista é uma máscara da formação de valor. Quer uma quer a outra parcela têm o mesmo fim, o de prover as necessidades financeiras inerentes às eventualidades da vida do trabalhador – velhice, invalidez, sobrevivência, doença ou desemprego. E quer uma quer outra têm a mesma origem, o esforço do trabalhador; não há produção da parte do capitalista sem a existência de trabalhadores mas a inversa é, nos dias de hoje, mais visível que nunca, com todo o cortejo de desregulação social e económica, com a criação de dinheiro absolutamente desligada da criação de valor.

A designação de contribuição patronal pretende induzir a existência de um contrato social entre partes iguais e igualmente essenciais – os trabalhadores e os capitalistas – no desempenho das funções sociais que conduzem à produção de bens e rendimentos. Ou, numa lógica assistencialista, pretende-se que os patrões sejam tomados entes caridosos, inchados de responsabilidade social para utilizarem o dinheiro da empresa na ajuda aos pobres trabalhadores; sem colocar em causa o parasitário papel dos capitalistas, está bem de ver. Nada mais falso. A designação faz parte da produção ideológica do capitalismo para justificar a necessidade de patrões e a legislação, obviamente, reflete a ideologia do poder.

A parcela retida das contribuições faz parte do salário bruto do trabalhador, que, por sua vez, faz parte do valor criado por aquele e é uma componente destinada à reprodução a longo prazo da sua capacidade de trabalho. Sendo o trabalho a única fonte de criação de valor, o capitalista não pode apossar-se de todo o valor criado, como desejaria, pois é obrigado a manter o trabalhador vivo e em condições de produzir, uma vez que sem trabalho assalariado e trabalhadores não há capitalismo. Na realidade, é francamente mais claro que os capitalistas não são necessários para os trabalhadores, os quais têm todas as vantagens em eliminar os parasitas que se vão apossando de parte substancial do valor gerado.

Todos os montantes descontados para a Segurança Social têm um destino bem definido e único – financiar as eventualidades de velhice, sobrevivência, invalidez, de desemprego e doença dos trabalhadores. São receitas consignadas a finalidades específicas e não como os impostos cujo produto financeiro tem uma aplicação generalista nas despesas do Estado, sejam canhões, escolas ou hospitais, salários ou aquisição de equipamentos.

O que se desconta para a Segurança Social não é receita pública; é um contributo para um fundo que pertence a todos os trabalhadores que para ele contribuem, num sistema bem urdido de solidariedade inter-geracional. A Segurança Social constitui um sistema que evidencia a unidade dos trabalhadores resultante do caráter global da produção de bens e serviços, demolidas que tendem a ser as fronteiras nacionais; e é um elemento de coesão que separa o trabalhadores face ao patronato e ao Estado que serve aquele último.  

O poder capitalista e o mandarinato, mormente na atual fase de neoliberalismo, tem todo o interesse em se apossar desse fundo comum aos trabalhadores. A sua integração no Estado, à mercê da atuação anti-democrática dos mandarins é essencial para o efeito. Tudo se passa em torno do valor criado pelo trabalho, pela apropriação do salário indireto, constituído pelos descontos para a Segurança Social; aqui trata-se de valor real e não do valor fictício gerado pela atividade financeira globalizada.

O poder capitalista e o mandarinato vão fazendo um trabalho contínuo de descapitalização da Segurança Social, desviando receitas como adiante melhor se verá; reduzindo pensões e outros rendimentos de substituição gerando nos trabalhadores a justa preocupação de que a Segurança Social não conseguirá cumprir as suas responsabilidades num futuro mais ou menos próximo; e, ainda, alterando parâmetros basilares do sistema, como a redução da TSU para os patrões ou importando um “factor de sustentabilidade”.

Em paralelo, sob o alto patrocínio do capital financeiro, promove-se uma ideologia de individualismo, de capitalização individual para as eventualidades já referidas, que separe os trabalhadores uns dos outros e os torne atomizados e concorrentes. É a mesma lógica que produz os contratos individuais de trabalho, a precariedade, o empreendorismo, a empregabilidade; que aponta como um bem de luxo e fora do tempo, a estabilidade do exercício do trabalho e outros negros conceitos e neologismos.

Mansamente, a “indústria” seguradora, isto é o sistema financeiro, promove os seus “produtos” no âmbito da mais global financiarização das relações sociais e das funções essenciais da vida de cada um de nós. Não é por acaso que os governos estabelecem deduções na declaração do IRS para os prémios pagos no âmbito da vasta gama de planos de poupança; tudo em nome da igualdade de oportunidades entre o sector privado e a Segurança Social e do sacrossanto direito de livre escolha por parte das pessoas.

A geração de uma insustentabilidade do modelo deve-se à gestão danosa dos mandarins e do seu Estado, ao subfinanciamento do sistema, que se mantém inalterado desde a sua concepção no final do século XIX, no tempo de Bismarck. O modelo atual não contempla as alterações decorrentes dos aumentos da produtividade, nem as modificações da composição orgânica do capital que permitem a acumulação de rendimentos e lucros em unidades empresariais quase sem trabalhadores. Uma vez mais, é preciso refletir no pecúlio que faz face aos futuros rendimentos de substituição dos trabalhadores – a Segurança Social - a criação de valor, reduzindo ou eliminando a parcela do mesmo absorvida pelos capitalistas.

Voltando atrás, depois das considerações anteriores, se os descontos para a Segurança Social são consignados a fins específicos, não podem ser aplicados que não a esses fins e, portanto não podem ser considerados para colmatar as necessidades financeiras do Estado; para estas está prevista a punção fiscal. Em suma, o sistema de Segurança Social, mormente as parcelas de repartição e capitalização, não pode estar misturado com as receitas e as despesas do Estado e, sobretudo não pode concorrer para reduzir deficits públicos, como tem acontecido.

A Segurança Social não pode fazer parte de um conceito alargado de Estado, parcela do mesmo, como as autarquias, as regiões, os serviços autónomos ou a administração central. A ligação existente deve ser apenas a constituída pelas transferências financeiras a que o Estado procede para o aparelho da Segurança Social para este desempenhar funções que, por comodidade e até economia administrativa ou financeira, o Estado delega na Segurança Social; e não que sejam os fundos desta, canalizados pelos trabalhadores, a arcar com custos que cabem a todos os residentes, quer descontem ou não para a instituição.
No caso português, trata-se, por exemplo, do RSI, das prestações familiares (abono de família…), da ação social e que não são pagos pelo produto das contribuições sociais mas, pelos impostos pagos por todos.

Neste contexto, a interferência do Estado e dos governos, no pecúlio acumulado que pertence aos trabalhadores, as alterações de regras e, sobretudo as atitudes conducentes à redução de receitas – para benefício de empresários incapazes – ou o seu desvio para fins estranhos aos desígnios da Segurança Social é abusivo e um roubo!

Se os fundos acumulados e as receitas correntes da Segurança Social configuram a lógica de um fundo de pensões – ainda que muito especial – qual o cabimento para a manipulação estatal e a consideração do seu valor para efeito de redução do deficit? Acaso o partido-Estado utiliza o valor acumulado e os prémios pagos pelos beneficiários de seguros de pensões privados? Porquê a discriminação?

Cabe perguntar se, neste caso, não pensará o arguto Tribunal Constitucional envolver os valores dos seguros privados de pensões para que os seus beneficiários fiquem com um dano equivalente ao dos beneficiários do sistema público. O princípio da equidade alegado com tanta perícia pelos enfatuados juizes do TC não é válido aqui?

Defendemos, por conseguinte, a autonomização do aparelho da Segurança Social face ao Estado, aos governos e a ministros criminosos ou ignorantes; ou, no mínimo, que as contas do sistema previdencial (repartição e capitalização) da Segurança Social, cujas receitas provêm dos descontos dos trabalhadores, seja estritamente desligado do perímetro de consolidação das contas públicas.

Compreendemos que a esquerda do regime nunca tenha colocado esta questão; na sua veneração pelo Estado, não concebem que o capitalista, coletivo ou individual, vive para roubar, punindo quem trabalha sempre que necessário.


2 - A história da gestão ruinosa do PS/PSD e do apêndice CDS

Passemos a abservar a prática do roubo de que os trabalhadores são vítimas, em favor de empresários manhosos, devidamente protegidos pelo seu Estado e pelos seus governos, de matriz ora PS, ora PSD ainda que, nesta área, haja altas responsabilidades do CDS, do Torquemada Portas.

Para começar, observemos a evolução da arrecadação de contribuições, o montante acumulado da dívida e, por comparação, a marcha da criação de riqueza (PIB) para o período 1988/2011 (Quadros 1 e 2), de acordo com os períodos que marcam a rotatividade entre o PS e o PSD/CDS.


a.     O final do cavaquismo (1988/95)

Embora crescente em todo o período, o crescimento da dívida situou-se muito aquém do observado para o PIB ou para a cobrança de contribuições até 1992, quando Portugal desemboca numa recessão. Era o tempo em que um biltre investido como ministro das finanças – Braga de Macedo – anunciava que Portugal era um oásis na Europa; entretanto, foi nomeado por Passos para tutelar a diplomacia económica… Era o tempo em que Cavaco declarou a ausência de tolerância de ponto na terça-feira de Carnaval, medida que serviu de ensaio à brilhante e ampliada adopção pelo governo Passos.

      Gráfico  1

       
        Gráfico 2

Em 1994, o ministro Catroga criou uma uma lei (DL-225/94) para recuperar parte da dívida gerada junto da Segurança Social e de impostos, com escassos resultados (€ 12.5 M em acordos de pagamento faseado com a Segurança Social, em 1995, no seu máximo). Mas sublinhe-se que a realização de acordos de regularização – dentro daquele dispositivo legal ou nos seus sucessores - não significa pagamento da dívida por parte das empresas; na realidade, é muito comum o incumprimento começar pouco depois da celebração do acordo, o que os mandarins nunca referem quando pretendem apresentar resultados perante uma imprensa tão ignorante quanto servil.

Em 1995, procede-se a uma habilidade financeira para aliviar a escalada da dívida à Segurança Social. A Direção-Geral do Tesouro (DGT), atual Direção-Geral do Tesouro e Finanças, comprou à Segurança Social dívida de empresas no valor de € 349 M, na sua maioria incobráveis, pois pertenciam a empresas falidas ou moribundas pertencentes a empresários ricos. E daí a quebra do valor da dívida à Segurança Social naquele ano, como assinalado nos gráficos 1 e 2 por um quadrado azul. No período 1988/1995, a dívida cresceu 102.8% (contra 124.1% do PIB e 135.6% do volume das contribuições; mas teria crescido 142.2%, não fora a criatividade dos habilidosos financeiros, Cavaco e Catroga.

Almas bem intencionadas podem sugerir que Cavaco, prestes a largar o leme iria beneficiar a Segurança Social com a prenda oferecida pela DGT, para deixar boa recordação ou, para ficar bem na sua consciência de temente ao deus dos cristãos. Nada disso.

Cavaco, não cumpriu em todo o seu consulado – findo em 1995 - a Lei de Bases da Segurança Social, aprovada na AR pelo seu partido em 1984. Segundo aquela lei, o Estado teria de reembolsar a Segurança Social dos encargos com funções várias - por exemplo a ação social – que não têm de ser cobertas por contribuições, pelos descontos dos trabalhadores.

O ente ridículo que agora se arrasta, sem glória, pelo palácio de Belém, descapitalizou a Segurança Social em € 6017 M[3], o equivalente às contribuições cobradas em um ano (1995 ou 1996).

Cavaco é o cabeça de série de um bando de criminosos que, através do tempo, têm retirado aos trabalhadores portugueses e aos pensionistas um volume enorme dos seus rendimentos na reforma, na doença ou no desemprego; aquele montante, representa a sobrecarga que a Segurança Social teve com encargos que competiriam ao Estado e não ao “fundo coletivo de pensões” dos trabalhadores.

Há um silêncio continuado com esta prática de promiscuidade entre as finanças públicas e o pecúlio dos trabalhadores portugueses, em sistemático prejuízo dos últimos. No silêncio face a este desvio de fundos estão comprometidos os partidos do poder ou da oposição, bem como as burocracias sindicais.


b.     Os tempos da “tralha guterrista” (1996/2001)

Se Cavaco abandonou o poder com Portugal em plena crise, Guterres beneficiou de um período de melhoria que irá durar até 2000. No período 1997/2000, o crescimento da dívida é quase sempre inferior ao PIB.

Logo em 1996 o volume da dívida situa-se ao nível do verificado em 1994, anulando o efeito da venda de créditos à então DGT, contabilizado no ano anterior; e, porque no ano de 1995 o volume das receitas de contribuições é aumentado extraordinariamente com os € 349.2 M entregues pela DGT, no ano seguinte, as receitas estagnam. Já em 2001, a situação degrada-se, crescendo a dívida muito mais do que as contribuições ou o PIB, prenunciando o desastre periférico que configura este início de século. No final do período e relativamente à situação de 1995, o crescimento da dívida é de 58.2%, contra 56.4% das contribuições e 52.9% do PIB, a preços correntes.

Peça essencial para este relativo equilíbrio foi o chamado plano Mateus, assim batizado por referência ao ministro da economia de então, Augusto Mateus, ex-esquerdista convertido às alegrias do poder e do dinheiro. 

O plano pressupunha uma atuação concertada entre o Ministério das Finanças e a Segurança Social para com as empresas que efetivassem acordos de regularização de dívida que, beneficiariam, em contrapartida, do perdão de juros de mora já vencidos e prazos alongados de pagamento, até 12 anos (DL – 124/96).

Inicialmente, o plano Mateus teve um sucesso muitíssimo superior ao do antecessor Catroga, como atrás já referido. Em 1997, o volume de dívida abrangido por acordos de regularização foi de € 532.3 M que, apesar da grandeza, apenas correspondia a 27.4% da dívida total, no final daquele ano. Por outro lado, a recuperação efetiva de dívida, gerada em anos anteriores, que havia sido de € 124.5 M em 1996 passou para € 217.8 M no ano seguinte, sem dúvida como resultado do aproveitamento da benesse oferecida aos relapsos. Também a receita com os acordos de regularização cresce, passando de € 38.8 M para € 62.3 M nos anos referidos aumentando ainda mais em 1998 (€ 99 M) voltando, seguidamente, a cair até 2001; em 2002/2004, a versão mais à direita do partido-estado, com Durão Barroso à frente, deixou de apresentar dados estatísticos sobre a dívida regularizada.

É durante este período (1997) que a cobrança de contribuições começa a apresentar uma evolução global superior à do PIB e que é mais marcante a partir de 2008, tomando como base o ano de 1988 (quadro 1). Porém, isso deve-se essencialmente a uma estagnação ou quebra no crescimento do PIB.

O plano Mateus não visou apenas a regularização de dívida e é interessante analisar essa outra vertente. Tendo em conta a fragilidade financeira, produtiva e de gestão das empresas portuguesas, mormente na indústria têxtil, foi pensado envolver os bancos em operações de mudança na titularidade das empresas, com a entrada de capitais e novos sócios, a propósito da regularização de vultuosas dívidas.

Esse plano falhou redondamente porque a banca estava lançada na adopção da financiarização e não na constituição de conglomerados financeiros, como na matriz renana do capitalismo, integrada na lógica keynesiana; e, por outro lado, os empreendedores endinheirados, prontos a investir na revitalização do tecido industrial, faltaram à chamada, provavelmente pelas mesmas razões. Os projetos de revitalização do têxtil na Cova da Beira, em Castanheira de Pera e no Norte não avançaram pelas razões apontadas e o caso da Secla, cerâmica das Caldas da Rainha, deu em falência, poucos anos depois do acordo para a sua reestruturação. Em todos os casos, a viabilização contaria sempre com a assumida perda de créditos sobre as empresas, detidos pelo Estado e pela Segurança Social… uma vez que a falência garantiria sempre essas perdas.

Os bancos já então se mostravam entusiasmados na preferência pelos empréstimos para compra de habitação, pelo financiamento do negócio imobiliário e da construção, aproveitando terrenos disponíveis onde estivessem instaladas fábricas falidas, com boa localização junto de cidades, para promoverem projetos de urbanização, centros comerciais ou supermercados, sempre em estreita ligação com autarcas, estes, abertos a fórmulas de enriquecimento próprio e do partido. A indústria ia a caminho da China e do Leste europeu e, por isso, os bancos e o Estado, amigos como sempre, reorientaram o financiamento para o imobiliário e para a sua compra por parte das famílias. A financiarização e a escravatura através do crédito mostrava-se em todo o seu esplendor.

Augusto Mateus não se apercebeu, antecipadamente, desta realidade e a componente estruturante do seu plano, não se concretizou.


c.     O dealbar do século XXI e a operação titularização (2002/2005)

O novo século marca o início do atual período de alternância entre um crescimento anémico e o decrescimento, com o agravamento do desemprego e o regresso a taxas de crescimento da dívida muito acima da progressão observada para as contribuições ou para o PIB; estes últimos que, como se verifica (gráfico 2), não têm variações anuais muito diferenciadas.

A Segurança Social passa, no princípio do século a deter um sistema nacional de contas correntes – até então cada distrito tinha o seu – o que permite facilmente ter dados globais sobre a dívida; e passa a deter também o seu próprio sistema de processos executivos, separado do existente no seio da DG Impostos, podendo assim, mais agilmente atuar contra as empresas com dívida.

Estranhamente, porém, a partir de 2002 a informação pública passa a ser menos detalhada e inteligível; precisamente quando a dívida aumenta substancialmente e a isso se juntam os problemas financeiros do Estado, incluindo neste, por arrastamento, a Segurança Social, como é sabido.

Uma das causas terá sido a interferência de vários “prestadores de serviços informáticos” (Novabase, Accenture, SAP Portugal …), todos estabelecendo as suas regras e as suas conveniências, nomeadamente colonizando o Instituto de Informática, que nunca conseguiu estabelecer uma liderança estratégica, a integração e o cruzamento criativo de muita da informação e, nem sequer, durante vários anos pelo menos, uma validação aceitável da fiabilidade da informação contida nas bases de dados. Essas deficiências são aliás retratadas em relatório recente do Tribunal de Contas[4], estando essas referências presentes em outros relatórios da instituição, de há dez anos a esta parte.

Por outro lado, ao nível da administração dos grandes institutos da Segurança Social envolvidos nesta matéria, salvo raras excepções, só lá têm acampado mandarins, sem preparação técnica ou de gestão, mas, bem equipados de cartão partidário e da arte da subserviência que garante a continuidade na função e das inerentes mordomias.

No capítulo da dívida, é elementar a necessidade de conhecimento público das contas, de modo detalhado, continuado e transparente. Por exemplo, seria elementar o conhecimento de:

  • Valor e número de devedores no início do ano X, compreendendo dívida global, detalhando a que se encontra com acordo de regularização judicial ou no âmbito de PEC, com processo executivo (com acordo e sem acordo) e sem qualquer acordo;
  • Nova dívida gerada durante o ano X;
  • Dívida liquidada por pagamento durante o ano X;
  • Dívida anulada durante o ano X, por prescrição e outros motivos;
  • Valor e número de devedores no final do ano X, compreendendo dívida global, com acordo de regularização judicial ou no âmbito de PEC, com processo executivo (com acordo e sem acordo) e sem qualquer acordo.

Toda esta informação deveria estar disponível de forma territorializada, por antiguidade da dívida, por escalões da sua dimensão e outro detalhe que será fastidioso aqui desenvolver. Alguma da informação atrás referida era disponibilizada nas CSS até ao final do século passado. A opacidade, decerto interessa a alguma gente, nomeadamente às mafias que compõem o partido-estado.

Em 2002, Guterres é substituído pelo impagável Durão Barroso que,  depois de transferido para a Comissão Europeia, deixa a cadeira vaga para o tonto Santana Lopes, bem representando ambos a vacuidade inteletual da direita portuguesa, cada vez mais acentuada e, devidamente orquestrada pelo sistema financeiro, interessada em ter os seus marionetas.

Esse governo, na área financeira dirigido por Ferreira Leite, observa a derrapagem do deficit, o forte crescimento da dívida à Segurança Social – mais 40.9% entre 2000 e 2002, correspondentes a um incremento de € 105.7 M – e cria mais um instrumento legal de regularização de dívida, o DL – 248-A/2002. Refira-se que ao ser lançada qualquer dessas benesses extraordinárias, o poder compõe um ar severo e diz “esta é a última oportunidade!” … antes da próxima. À data, depois dos já apontados DL-225/94 (Catroga) e DL-124/96 (Mateus), qualquer empresário manhoso recordar-se-ia do DL-20D/86, do  DL-52/88, do DL-179/90 e do DL-411/91, todos com enquadramento possível de dívidas no âmbito da Segurança Social.

Nunca foi revelado o volume de valores arrecadados no âmbito do DL – 248A/2002, por parte da Segurança Social, no âmbito da ocultação sobranceira dos actos importantes da gestão pública. Salientamos, contudo, o apelo à voluntária auto-denúncia de dívidas pelos contribuintes, efetuado pelos mandarins de serviço. Estupidamente,  revelaram, desse modo, que não tinham o controlo das contas correntes e que haveria dívida efetiva mas, desconhecida pelos serviços; os chamados empresários decerto perceberam o que se passava. Dominava então esta área na Segurança Social um par de trastes: Margarida Aguiar como secretária de estado, que veio a ser demitida pelo ministro Bagão Félix e Manuel Teixeira, um invertebrado que é, atualmente, secretário de estado de Paulo Macedo.

Em 2003, surge de novo um elemento anómalo nas contas. Há uma redução de 71.1% da dívida contabilizada em virtude da operação de titularização que imortalizará Manuela Ferreira Leite. Entre 2002 e 2003, a dívida global à Segurança Social passou de € 3224.8 M para… € 925.2 M.

Na parte respeitante à Segurança Social foram cedidos créditos sobre empresas no valor de € 1995.247.800 à SAGRES - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A, criada para efeitos da titularização de dívidas ao Estado e à Segurança Social, pertencente ao conhecido Citigroup, atualmente um dos grandes bancos mundiais em dificuldades. A Segurança Social recebeu em troca € 306.929.300 e ficou encarregada de proceder à cobrança dos créditos cedidos junto dos devedores, cujo produto deveria reverter para a Sagres, mediante uma comissão de cobrança.

No capítulo da Segurança Social, Ferreira Leite arrecadava assim, por antecipação, uns preciosos € 306.9 M em dinheiro, para minorar o deficit público, considerados, em 2003, como cobrança de contribuições na contabilidade da Segurança Social. A saga do deficit estava nos seus primeiros passos e é com Passos que em nome do deficit, hoje, os trabalhadores e os pensionistas portugueses continuam a ser espoliados.

A interferência externa em nome do deficit excessivo foi decidida pelo Concelho da UE em novembro de 2002 (Decisão do Conselho 2002/923/CE), nos termos do nº 6 do artº 104 do tratado que institui as Comunidades Europeias.

A grande diferença entre o valor cedido à Sagres e o pago por esta à Segurança Social prende-se com o facto de grande parte desses créditos cedidos, terem como devedores empresas falidas, sem património, quando não já inexistentes ou abrangidas por prescrições, devido à antiguidade da dívida (as mais antigas remontavam a 1993).

De acordo com informação contida num relatório de auditoria do Tribunal de Contas, os valores por dívida constituída até julho de 2001 e integrando processo executivo na DG Impostos “encontravam-se já em elevado risco de cobrança[5]”, sendo menor o risco das dívidas em processo executivo lançado nas secções de processo da Segurança Social, em datas posteriores.  

Durante os sete anos em que se desenvolveu o processo de cobrança da dívida cedida à Sagres, de acordo com o mesmo relatório, em final de fevereiro de 2010 apuraram-se os seguintes elementos:

  •  Valor inicial da dívida cedida objeto da titularização - €1995 M
  • Haviam sido considerados como prescritos de € 804 M (40.3% desses créditos iniciais), não exigindo substituição por dívida “viva”
  • As cobranças efetuadas foram de € 187,5 M (9.4% do total inicial)
  • Foram declaradas “em quebra”, incobráveis não prescritos, € 554.9 M de dívidas, substituidas por outras, com valor aproximado.
  • Somam € 76.9 M os juros de mora cobrados às empresas devedoras
  • De acordo com o relatório do TC que vem sendo referido, o montante transferido pela Segurança Social até fim de fevereiro de 2010 era de € 268.2 M (€ 269.7 para os anos 2003/2010, conforme as CSS daqueles anos)
  • Diz o TC (pag 192) que aquele valor “não foi suficiente para o pagamento do resgate das obrigações titularizadas que, até 28/2/2010, lhe caberia suportar, ou seja € 298.401.600 a que se somaria a parte que lhe caberia nos juros pagos aos obrigacionistas e nas despesas da operação (não financiadas pela reserva inicial de € 5 milhões), ou seja € 47.744.344,86. Há, assim, para já um défice por parte da Segurança Social de € 77.931.346,94, que já foi, no entanto, pago com receitas relativas a créditos fiscais.

Tudo isto é do domínio público apenas porque o TC publica os relatórios das auditorias a que procede, em regra, a aspetos precisos e circunscritos das contas públicas. Muito pouco transparece dos actos praticados pelos governos e pela administração pública colonizada pelo partido-estado, no âmbito das suas obrigações institucionais de um Estado que proclamam de democrático. Tudo se passa dentro do partido-estado que tudo auto-justifica – excepto o que oculta - tornando-se a multidão algo que existe apenas para ser roubada pelos mandarins.

Da operação da titularização ressalta o enorme volume de divida das empresas perdido nos bolsos de empresários. No contexto da Segurança Social, as perdas de créditos sobre as empresas, valores dissipados por estas e pelos seus sócios e gestores, em prejuízo dos beneficiários da Segurança Social, correspondem a € 1359.5 M (prescritos e substituídos por insusceptíveis de cobrança). Para que isso aconteça é essencial um laxismo das estruturas de cobrança, um processo executivo complexo e recheado de prazos dilatórios, uma crónica e ineficiente atividade fiscalizadora.

Qual abutre a sobrevoar a presa, o capital financeiro, neste caso concreto, com o nome de Citigroup, arrecada bons resultados, precavendo-se previamente contra todos os riscos. A UE sabe preparar o terreno para o capital financeiro, quer no âmbito da titularização[6] como no campo das parcerias público-privadas[7].


d.     O saque a céu aberto (2006/…)

Se a titularização disfarçou nos números globais da dívida o continuado desfalque do dinheiro de quantos descontam para a Segurança Social, a partir de 2004, como que se inicia um novo ciclo – o do saque a céu aberto. O gráfico 1 não revela tão bem essa situação como o gráfico 2, onde se observam muito claramente as variações anuais da dívida, depois da titularização, em mais de 20% para cada um dos anos, até 2011.

Entre 2003 e 2011, o PIB cresceu 19.6% a preços correntes, mantendo-se o crescimento estagnado a partir de 2007; o nível de crescimento das contribuições atinge os 31.3%, marcado, essencialmente pela evolução até 2008; posteriormente, o volume das contribuições fixa-se em montantes de € 13500 M, em média.

No mesmo período, a dívida à Segurança Social cresceu… 662% (seiscentos e sessenta e dois por cento); € 1179.5 M em 2004 para € 7142.2 M no ano transato.

Este período é, contudo, caraterizado pelos cânticos laudatórios dos mandarins instalados pelo partido-estado (Vieira da Silva, Helena André e agora Mota Soares) sobre as suas próprias proezas quanto à recuperação de dívida… que, insensível, cresce assustadoramente.

Ainda em 2005, a 24 de abril, o governo Sócrates inventa um Plano Nacional de Combate à Evasão e Fraude Contributivas e Prestacionais, iniciando a chuva dos milhões, sempre referidos sem detalhes, sem rigor, desligados dos valores presentes nas CSS ou ausentes destas. Pretende-se produzir efeitos pontuais, mostrar serviço, perante a plateia de jornalistas bastas vezes triplamente ignorantes; porque não sabem, porque nem se esforçam por investigar ou, por servilismo face ao poder do partido-estado e/ou do chefe da redação. Tudo isso demonstra uma postura de arrogância, um espírito ditatorial de quem despreza os deveres inerentes à representação, enunciando explicitamente que vigora uma democracia de mercado.

O quadro que se segue – com muitas lacunas – corresponde ao que é possível apurar nas Contas da Segurança Social (CSS) de 2004/2010. Não se compreende, por exemplo, que a Conta Geral do Estado apresente dados finais sobre a Segurança Social para 2011 e esta instituição demore, habitualmente, vários meses adicionais para apresentar as suas contas.

Sobre a cobrança da dívida a divulgação de elementos tende a ser mais parca a partir de 2007 e, sobretudo no último ano conhecido (2010).

Desconhece-se o volume de processos instaurados a partir de 2007. Temos apenas o direito de saber (CSS 2007) que desde a abertura das secções de processo executivo da Segurança Social (setembro de 2001) terão sido instaurados 806000 processos com uma cobrança acumulada de € 785.4 M. Se no biénio 2006/2007 se cobraram € 516.6 M, cabe perguntar o que fizeram as secções de processo nos mais de quatro anos decorridos após a sua criação, para só terem cobrado € 268.8 M; e qual a atividade de instauração de processos desde 2008.

O processo de massificação conduz – pela amostra relativa a 2005/2006 – a um abaixamento expressivo do valor médio envolvido em cada processo, o que demonstra, sem dúvida, uma maior preocupação pela recuperação de dívida. Porém nada se sabe sobre os processos prescritos (com mais de cinco anos) ou de cobrança impossível (falência, ausência de bens, gestores desaparecidos ou suficientemente espertos para colocarem os seus bens em nome de terceiros). A gestão de um processo tem custos administrativos e de processamento que, nos casos de ausência de cobrança, são particularmente elevados; e quanto mais baixo é o valor dos processos, maior é, proporcionalmente, o custo. Por outro lado, o volume das provisões constituídas revela que as expectativas de cobrança não são nada otimistas.

Nos valores considerados englobam-se dívidas de beneficiários, com valores unitários muito baixos e de maior probabilidade de boa cobrança, com um peso muito mais baixo do que as dívidas das empresas, no balanço da Segurança Social. Refira-se que em meados da década passada, o governo de Durão, com Bagão Félix na área da Segurança Social, foi dada prioridade às contas correntes dos beneficiários face às das empresas; na lógica do CDS e de Torquemada Portas, Deus criou as empresas e os trabalhadores, posteriormente, para as servirem. Amen!


2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010

Acordos em processo executivo






Processos instaurados no ano (nº)
nd
25846
502743
nd
nd
nd
nd

Processos instaurados no ano (M €)
396,3
428,0
2456,9
nd
nd
nd
nd

valor médio (euros)
nd
16560
4887
nd
nd
nd
nd

Novos acordos
nd
2146
6713 ou 6565 ?
44848
33198
39988
nd

Valor acordado (M €)
43,5
69,2
118,1
475,0
270,0
376,3
621,0

valor médio (euros)
nd
32223
17593
10591
8133
9410
nd

Dívida cobrada (M €)
nd
112,3
225,8
289,9
341,0
350,7
446,0

(em acordos prestacionais, M €)
nd
nd
40
130
170
184,5
242


Acordos extraordinários fora do processo executivo




Valor acordado (M €)
nd
44 ou 31,1 ?
88,6
115
80
81
66,3

% da dívida no início do ano
nd
2,6
6,1
5,3
2,8
2,2
1,3

Dívida cobrada (M €)
nd
17
11,5
21,3
27
20,4
21

Acordos dentro ou fora do processo executivo

Dívida total cobrada (M €)
65,7
129,4
238,3
311,2
367,9
371,1
467

% da dívida no início do ano
7,1
11,0
16,5
14,2
12,8
9,9
9,5

                                                                                                       Fontes: Contas da SS

Os novos acordos em sede executiva revelam a maior agressividade das secções de processo da Segurança Social face aos contribuintes faltosos, porém o valor médio por acordo vem descendo. Fica-se sem saber quantos processos estão ativos no final de cada ano e quantos são os prescritos e extintos por não cobrança, dentro de cada exercício. Por outro lado, a crise económica tenderá a limitar as possibilidades de muitas empresas arcarem com o pagamento de dívidas de contribuições, podendo estar-se a atingir os limites da capacidade de recuperação de dívida.

Sabendo-se que o processo executivo não é sede própria para dívidas muito elevadas, o recurso a acordos extraordinários fora daquele, não apresenta números interessantes, uma vez que tendem a abranger empresas pré-falidas, que deixam de cumprir o acordo pouco depois da sua celebração iniciando a formação de dívida adicional. Para mais, há uma tradição de benevolência face aos chamados empresários, permitindo-se a passagem de um largo espaço de tempo entre o início do incumprimento e a rescisão do acordo, sem a ativação de garantias, processo de insolvência, criminalização de gerentes, etc.

Uma fiscalização mais eficaz (física ou com o recurso à análise das contas correntes) seria uma forma tempestiva e mais expedita de evitar a constituição de grandes dívidas e as perdas enormes que acarreta para a Segurança Social, o incumprimento desses acordos. Pelos números apresentados, não se denota que essa fiscalização seja feita com qualidade. De facto, do ponto de vista sistémico, dos interesses que o partido-estado veicula, é mais importante a benevolência com empresários vigaristas[8] do que o acautelar dos rendimentos de substituição da massa dos trabalhadores. Estado e capitalistas, sempre do mesmo lado.

No capítulo desses acordos extraordinários, o enquadramento de dívidas é muito baixo – 6.1% do total da dívida existente no início de 2006, valor que decai para atingir somente 1.3% do valor homólogo de inícios de 2010. Acrescente-se que é ocultado o número de empresas envolvidas nos acordos realizados em cada ano; desconhece-se a margem de insucesso, o número e o valor associado a acordos extraordinários rescindidos por incumprimento, tal como se ignora o volume acumulado desses acordos em vigor, grau de cumprimento, etc. O mandarinato só revela números soltos, com pouca margem de leitura, para efeitos de propaganda e assim enganar a multidão dos trabalhadores.

Relativamente aos valores de cobrança associados a acordos extraordinários, os resultados são mediocres, sobretudo se se tiverem em conta dados para 2011[9]  (€ 6M) ou previstos para 2012 (€ 12 M[10]). No período 1988/2001 que considerámos para efeitos deste trabalho, o mais baixo valor de cobrança foi de € 28.1 M, para níveis de divida global muitíssimo mais baixos. Os acordos de regularização extraordinária têm, portanto, um fraco impacto em termos de receita e servem, essencialmente, como instrumento de propaganda.

Depois do Plano Nacional de Combate à Evasão e Fraude Contributivas e Prestacionais, lançado em 2005, como se referiu atrás, dois anos depois, em janeiro de 2007, o criativo Vieira da Silva avançou com mais um instrumento de “acordos para pagamento faseado de dívidas – Programa +Viável -  através:

1) da adaptação do pagamento dos montantes em dívida às suas possibilidades de tesouraria, permitindo a regularização da dívida mantendo em simultâneo o pagamento das contribuições correntes, desta forma suspendendo a constituição de nova dívida;
2) da credibilização da actividade do contribuinte;
3) de uma resposta rápida e apoio personalizado (equipas especializadas por distrito e criação de linha telefónica dedicada.”

A ideia da “adaptação do pagamento dos montantes em dívida às suas possibilidades de tesouraria” mereceria ser estendida a desempregados e famílias sem capacidade para pagar a prestação da casa ou a conta da água, por exemplo. Extensão de medida tão relevante estaria certamente nas piedosas intenções de um licenciado na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, chamado Mota Soares. Mas a troika… (tem as costas largas).

Algo que constitui um verdadeiro manancial oculto de dívida é a não entrega de declarações de remunerações por parte das empresas ou a não consideração de parte dos seus trabalhadores naquelas declarações patronais. Se o primeiro caso é de deteção fácil, o segundo exige alguma pesquisa. Ao que se sabe, a avaliação dessas situações e a atuação contra os infratores não estão a ser desenvolvidas, eventualmente por duas razões: uma porque iria levantar dificuldades acrescidas em valorosos “empregadores” e promover mais desemprego (algo a que o partido-estado é … muito sensível) e, depois porque o gasto em consultadorias está a ser comprimido.

Outra questão é a dos maravilhosos empresários lusos que deduzem nos salários dos trabalhadores a contribuição direta destes para a Segurança Social e não a entregam à instituição, utilizando a contribuição dos trabalhadores para outros fins – reforço da tesouraria da empresa, já sem acesso a crédito bancário ou, desvio puro e simples para o património particular. Tal prática configura o crime de abuso de confiança; em 2006 terão sido registadas umas 500 condenações num total de 1300 processos, no valor de € 25 M, encaminhados para o Ministério Público[11].  

Não se sabe o valor recuperado dessa dívida nem é dada publicidade à prática fraudulenta, ao contrário do que acontece com quem recebe prestações indevidas de RSI ou de subsídio de doença. Mas há ainda outra diferença substancial, de ordem material.

O empresário manhoso tem uma possibilidade, que só a ele pertence, de transferir ou não o dinheiro da quotização dos trabalhadores, cabendo à Segurança Social verificar e zelar pela entrada do valor retido. Com os beneficiários, compete a quem concede e determina o subsídio – a Segurança Social -  zelar pelo preenchimento das condições necessárias por parte do candidato. E se esse zelo não se verifica, a questão será a qualidade das bases de dados, dos cruzamentos com a DG Impostos, da fiscalização. Temos conhecimento que, anos atrás, existiam nas datas de ingresso de beneficiários da Segurança Social, anos como 1918 ou 2020! Isso foi descoberto ocasionalmente por um técnico, pois uma validação tão elementar na aplicação informática… não havia sido feita pela consultora paga a peso de ouro.

Os balanços da Segurança Social apresentam frequentes alterações nos critérios contabilísticos; por isso nos centramos nos últimos cinco anos, nos quais parece haver alguma estabilidade.

As dívidas das empresas à Segurança Social com mais de um ano crescem sensivelmente cerca de € 1000 M por ano, registando, inversamente, uma forte quebra em 2011 resultante de uma transferência de valores para a conta corrente de Contribuintes, cuja explicação deverá estar contida na CSS de 2011, quando for publicada.

A dívida por prestações pagas indevidamente tem um valor muito mais baixo que a dívida das empresas e distribui-se por um elevado número de pessoas, em regra dos segmentos mais pobres da sociedade. No entanto, são as prestações pagas indevidamente que merecem a agressividade dos governantes[12]


Dívidas de médio ou longo prazo (> um ano)                                     M euros

2007
2008
2009
2010
2011
Client. contrib. utentes cobrança duvidosa
2086,6
3097,7
4160,8
5071,7
3407,1
provisões(%)
90,5
90,5
94,7
97,1
91,8
Prestações sociais a repôr
287,5
378,2
410,8
445,4
459,3
provisões(%)
68,6
74,4
92,0
92,7
93,4
                                                                                                               Fonte: CSS

Quer num caso quer no outro das dívidas referidas, a sua cobrança é considerada muito pouco provável, tendo em conta a comparação entre as provisões e o total contabilizado como dívida. As provisões acumuladas representam a soma dos valores anuais considerados como eventuais perdas; dito de outro modo, mais de 90% da dívida de médio ou longo prazo é considerada como perdida e a concretização dessa perda é feita anualmente[13]. Note-se que, segundo a CSS de 2007, no conjunto da dívida a médio e longo prazo, 86% tinham mais de dois anos e somente 6.8% uma antiguidade de 12 a 18 meses. Interessante é o critério para a constituição de provisões; se uma empresa estiver dois anos com regular falha mensal no pagamento das contribuições, a dívida é provisionada mas, se tiver pago uma ou outra mensalidade já isso não acontece… embora o risco seja quase igual!

Na dívida não provisionada avultarão dívidas do Estado e da administração pública descentralizada (regiões e autarquias) bem como dívidas de empresas que tenham garantias reais, seguros ou cauções; o enorme montante das provisões revela que os habilidosos empresários deixam de pagar as contribuições para a Segurança Social e que a máquina administrativa da instituição não encontra bens para fazer incidir o seu privilégio de hipoteca legal ou não é suficientemente lesta para o fazer enquanto os bens não são dissipados.

O número e o valor das garantias constituídas a favor da Segurança Social é secreto ou os mandarins de serviço não o têm apurado; em contrapartida, gostam de anunciar as penhoras em milhares de veículos a empresários distraídos que não se acautelam em passear em carros não próprios mas, em regime de ALD ou leasing, insusceptíveis de penhora.

Recentemente, os membros atuais do partido-estado, divulgaram um conceito interessante e revelador, o de dívida ativa ou cobrável, conceito que subentende haver outra que não é recuperável. A dívida ativa seria da ordem dos € 2600 M em princípios do ano corrente esperando o governo recuperar em 2012, € 600 M[14]. Quando se sabe que a dívida para com a Segurança Social era em 2011 de € 8503.2 M (incluindo uma parcela que não é de contribuições nem de prestações), fica claro que há pelo menos uns € 6000 M que o governo reconhece jamais vir a cobrar.

As dividas de curto prazo englobam situações de contribuintes que, no último ano declararam as remunerações dos trabalhadores e que não as pagaram as contribuições; aqueles cuja dívida é de cobrança duvidosa – crescentemente provisionadas, isto é consideradas perdidas; e ainda as prestações sociais pagas indevidamente e cujo volume ou a parcela provisionada se mostram estáveis. Não estão contabilizadas dívidas de empresas que não entregam as declarações de remuneração e, consequentemente, não pagam as contribuições; embora seja possível imputar-lhes um valor provisório a confirmar pela devida inspeção ou outra ação expedita.

Dívidas de curto prazo (< um ano)                                                        M euros

2007
2008
2009
2010
2011
Contribuintes c/c
680,7
476,7
396,6
399,9
3465,7
Client. contrib. utentes cobrança duvidosa
107,0
165,4
359,0
491,3
269,4
provisões(%)
25,0
25,0
41,9
40,9
53,5
Prestações sociais a repôr
171,1
108,4
120,6
120,1
120,0
provisões(%)
12,2
13,9
10,6
11,1
12,4

Para terminar este ponto sobre as provisões e sobre as perdas de contribuições não cobradas, com consequente benefício de empresários vigaristas, observem-se como se caraterizam as variações  anuais dessas provisões para cobranças duvidosas.

Provisões para cobranças duvidosas            M euros

Valor inicial
Aumentos no ano
Reduções no ano
Valor final
2008
2447,7
1234,5
89,3
3592,8
2009
3592,8
1020,7
53,5
4560,0
2010
4560,0
945,9
68,2
5437,7
                                                                                         Fonte: CSS

Aos números avultados das situações iniciais em cada ano somam-se as perdas consideradas nesse ano. A comparação com as reduções revela que, uma vez registado contabilisticamente o risco, ele se concretiza, sendo marginal o volume de reduções; isto é, de recuperações de dívida previamente tomada como perdida. De novo recordamos que todos os anos só em contribuições não pagas e dadas como perdidas há cerca de € 1000 M. São beneficiários do roubo, os capitalistas, sendo executantes os vermes do partido-estado e outros parasitas.


3 - Cálculos emblemáticos do roubo sistémico através da dívida

Consideramos interessante pela sua transparência uma comparação entre o volume da dívida à Segurança Social e a cobrança de contribuições ou as pensões de velhice, por exemplo.

Se se proceder ao cotejo da dívida com as contribuições cobradas, (gráfico 3) observa-se um quadro de certa estabilidade para o período que terminou em 2002, durante o qual a dívida no final de cada ano representa entre três a quatro meses de cobrança anual. São visíveis as quebras associadas aos períodos de melhor conjuntura, bem como os impactos da cessão de créditos à DGT, do Plano Mateus até que a titularização de 2003, coloca o valor da dívida acumulada ao nível de um mês de cobrança.

A subida é vertiginosa desde então. Em 2008, regressa-se ao padrão anterior, dos três a quatro meses de cobrança anual e, em 2011 a dívida de € 7142.2 M corresponde a 6.2 meses de cobrança.

       Gráfico 3


A comparação com meses de pensão de velhice toca, certamente, mais a sensibilidade das pessoas. Em finais dos anos 80 do século passado a dívida daria para pagar mais de nove meses de pensões de velhice; posteriormente, o indicador tende a baixar, sobretudo porque a massa das pensões aumenta com o envelhecimento da população e a maior longevidade que conduz a um maior lapso do tempo de vida depois de abandonada a vida laboral. Porém, nos últimos anos essa tendência para o aumento da vida post-laboral tem sido contrariada por medidas anti-sociais dos governos. A despeito disso, o crescimento da dívida é bem mais rápido que o do volume das pensões de velhice. O coeficiente quase atinge os oito meses de pensões em 2010/2011, o que não sucedia desde 1994.

O acréscimo da dívida em 2011, face ao ano anterior foi de € 1179.2 M. Se a dívida à Segurança Social se tivesse mantido ao nível de 2010 e supondo que aquela diferença teria sido integralmente aplicada em pensões de velhice, cada pensionista teria no último ano recebido, em média, mais € 10.8 por cada € 100 de pensão. Esta é uma forma clara de se avaliar o roubo constante perpetrado pelo partido-estado em favor dos capitalistas, no seu conjunto mas, particularmente aos mais ineptos e vigaristas.

Refira-se, para terminar este bosquejo histórico do assalto a que a Segurança Social tem sido submetida, a lista dos últimos responsáveis pela área da Segurança Social, a julgar como criminosos, por delapidação do fundo coletivo dos trabalhadores portugueses:


2002-2004
José Manuel Durão Barroso
António Bagão Félix
Margarida Aguiar
Teresa Caeiro
 - - - - - -
2004-2005
Pedro Santana Lopes
Fernando Negrão
Marco António Costa
 - - - - - - 
2005-2009
José Sócrates
José Vieira da Silva
Helena André
Pedro Marques
 - -- - - -
2011 - …
Pedro Passos Coelho
Pedro Mota Soares
Marco António Costa


Outros textos sobre a dívida elaborados por GRAZIA TANTA:

  • Estratégia para um Sistema de Segurança Social favorável à multidão de trabalhadores e ex-trabalhadores (nov/2005)
  • Como se descapitaliza a Segurança Social portuguesa nas mãos do PS e do PSD (dez/2006)
  • Dois catedráticos nocivos, Correia de Campos e Carlos Pereira da Silva (jan/2007)
  • Segurança Social - estudo preocupante divulgado recentemente (ago/2007)
  • Um caso paradigmático de gestão obscura a dívida fiscal (jan/2008)
  • A crise financeira. O naufrágio dos  PPR e os fundos de investimento em geral (set/2008)
  • OE 2009 - Incentivo ao não pagamento de dívidas (out/2008)
  • PARA UM PROGRAMA DE MEDIDAS FAVORÁVEIS AOS TRABALHADORES (mai/2009)
  • O PEC – Programa de Empobrecimento Colectivo e o bloqueio económico e político (abr/2010)
  • Portugal, os “mercados” e o empobrecimento generalizado (out/2010)
  • Questões sobre a auditoria às contas públicas (jun/2006)
  • Sobre a ideia enganadora da auditoria à dívida (jun/2006)
  • O Estado vai passar a cobrar as dívidas aos concessionários privados das portagens (nov/2011)
  • Dívida pública - beneficiários e pagadores (1ª parte) (ago/2011)
  • Dívida pública – Os principais tipos de gasto público (2ª parte) (set/2011)
  • Dívida pública - Entre o ‘pagamos e depois logo se vê’ e o ‘não pagamos até ver’, vai uma grande distância (dez/2011)
  • Precisa-se espírito crítico sobre esta Auditoria Cidadã à Dívida Pública (dez/2011)
  • Segurança Social – processos de descapitalização (1) (dez/2011)
  • Fundo de Garantia Salarial, desvio de fundos públicos para empresários manhosos (fev/2012)
  • O endividamento dos estudantes, um caso de financiarização da vida (mar/2012)
  • A dívida portuguesa total – canibalização de um povo (mai/2012)
  • Portugal, um caso de desastre periférico (video) (jun/2012)



Estes e outros textos encontram-se em:







[1]    http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO053329.html?page=0
[2]   Afinal qual a função social do capitalista
     http://www.slideshare.net/durgarrai/afinal-qual-a-funo-social-do-capitalista
[3] Conferir “Livro Verde da Segurança Social, 1997
[4]   http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2011/2s/audit-dgtc-rel006-2011-2s.pdf
[5]   http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2011/2s/audit-dgtc-rel006-2011-2s.pdf
[6]  ( a título exemplificativo)   EUROSTAT, ESA95 manual on government deficit and debt – securisation operations undertaken by general government (part V), European Communities, 2003

[7]  ( a título exemplificativo)   Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 141/2006, de 27 de Julho, diploma que estabelece também as normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado nas PPP

     http://europa.eu/legislation_summaries/employment_and_social_policy/eu2020/em0026_pt.htm
[8]   (JN) “As empresas apoiadas não podem ter dívidas ao Estado. A regra pode vir a ser quebrada?”
(Vieira da Silva) “Estamos a trabalhar nesse sentido. Não deve ser uma regra sem limites, [mas vista] caso a caso, com normas específicas. Hoje é possível ter acesso a apoios sem situações regularizadas, desde que com um plano de regularização prévio. Agora, podem ser coincidentes no tempo. Manifestei a vontade de que dificuldades conjunturais com o Fisco e a Segurança Social não as afastem liminarmente dos apoios de crédito. Também poderá ser aplicado a outros apoios.“
        http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1434462
[9]    http://www.oje.pt//noticias/economia/cobranca-de-dividas-a-seguranca-social-gera-1485-milhoes-no-1-trimestre
[10]    Diário Económico, 21/5/2012
[13]   O montante anual acumulado da provisão para cobertura dos créditos referidos é determinado de acordo com as seguintes percentagens:
- 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses consecutivos;
- 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses consecutivos;
- 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses consecutivos;
- 100% para créditos em mora há mais de 24 meses consecutivos.          (ver CSS 2008)

[14]   Diário Económico, 21/5/2012

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