(como recuperar a memória
do confronto)
do amigo "Vadio"
Eu sei que te recordas,
facilmente te recordarás: era aquele jovem que vendia fruta e legumes em Sidi
Bouzid. Imolou-se, e veio a morrer dias depois em consequência da imolação.
Bouazizi tinha um diploma
como tu; desemerdava-se com o seu carrinho ambulante, tal como tu te orientas
com as tuas merdas, para contornar o abandono a que te sentes votado pela
sociedade, pelo Estado, pelo mundo que te rodeia. Bouazizi já não tinha sequer
a solução da emigração, porque a nossa querida Europa deixou de precisar
“deles”, sabes como é: abriu-lhes as portas quando dava jeito para enriquecer mais
um pouco e depois atira-os ao mar, bye bye, hasta la vista.
Não queria começar a falar
num tom mais sério, porque estamos todos tão fartos que já nos fartamos de
tudo. Estamos fartos de ler o jornal, fartos de receber emails, fartos
da mesma conversa na rua... Não queria que me compreendesses mal. Se escrevo,
não é para fazer-te mal, mesmo se por vezes pareço estar contra ti por causa
das interrogações que me parecem necessárias para atravessar o deserto de olhos
abertos. Pensar em determinados ângulos de visão só nos fará bem. Mas não os
tomes como pontos fixos. Nem de fuga à realidade, aquela que nos espera fora
dos plasmas, das redes sociais, dos textos de circunstância.
Dá-me o benefício da
dúvida: não te apresses a compreender-me, às minhas palavras, se gastas tanta
da tua compreensão, no dia-a-dia, para encaixares o mal-estar que te provoca
este tempo de impostura política, de opressão social, de barbárie humana e
ecológica. Repara: o patrão exige-te a qualquer momento que lhe obedeças e que
o ouças, dita-te tudo tim tim por tim tim, ou tem alguém que faz
isso por ele, e tu comes e calas; o governo sussurra-te todos os dias aos
ouvidos, naquele ar contido e esgazeado dos tecnocratas, uma melopeia cínica,
pedindo-te encarecidamente que acredites na mentira, que engulas a austeridade
como inevitável e para todos, e que as medidas governamentais, determinadas
pelo círculo dos máximos responsáveis pela conjuntura social actual, são para o
bem comum, em suma, o governo manda-te rever por baixo a tua condição de
explorado, oprimido, humilhado, e pede-te estabilidade, sacrifício, contenção,
ordem; a TV entra-te pelos olhos dentro e desvia para canto a realidade,
desvia-te da tua realidade, uma espécie de narcótico, cujo contrabando está nas
mãos de um cartel de elite, hábil na fabricação da realidade, exímios
ficcionistas sociais; os bancos esmifram-te o que tens e o que não tens...
...então, se estás
embebid@ neste interminável programa organizado de intoxicação dos teus
neurónios e se apanhas, a toda a hora, socos no estômago, diz-me, será que
podes ouvir o que tenho para dizer? Será que o teu mal-estar pode ser provocado
por um simples texto? Será que é a mim e a outr@s, cada qual à sua maneira, que
te dão um treino menos digestivo ao estômago, que deves rechaçar de uma
assentada e, na maioria das vezes, por reacção emocional, as perguntas que te
damos? Não te iludas, não são as “perguntas” que te encostam contra a parede.
As “perguntas” apenas te impedem de não ver o que teimas não querer ver:
que a parede já lá estava e continua a ser construída; que tu, e eu, e tantos
outr@s, estamos cercados, por todos os lados.
Sei que te apressas também
a pedir-me brandura, que escreva o que tenho a dizer como se tratasse de
uma tese e dedicasse o último parágrafo à síntese, às conclusões. Em suma, que
ordenasse os factos e os acontecimentos sem os interrogar ou pôr em causa. Por
outras palavras, aceitando-os, isentando-me de interrogar a realidade, esse
pobre papel levado tão a peito pelos jornalistas*.
Porquê isentarmo-nos da
realidade? A realidade não é uma conclusão? A destruição do bem-estar da tua
vida por uma ordem económica e autoritária não é uma conclusão? A morte brutal
de milhares de iraquianos não é uma conclusão? A eliminação do sistema público
de saúde não é uma conclusão? A perda contínua de direitos laborais não é uma
conclusão? O alargamento do fosso entre ricos e pobres não é uma conclusão?
(Conclusão essa num contexto de crescimento económico...!) A hipocrisia dos
discursos dos governantes não é uma conclusão? O poder discricionário das
agências de rating não é uma conclusão? A desastrosa cultura
anti-ecológica dominante não é uma conclusão? Guantánamo não é uma conclusão?
Polícia à paisana a bater e prender manifestantes numa rua de Lisboa, não é uma
conclusão? Alguns também me chamarão de trágico, quiçá de vate.
O Vale do Ave e o Grande
Porto são tradicionalmente as regiões do país com as taxas de sucídio mais
baixas. No Ave, ainda entre 1996/99, suicidava-se uma pessoa
por 100 mil habitantes, bem longe da realidade do Alentejo, onde em alguns
concelhos mais de 30 pessoas por 100 mil habitantes cometem anualmente
suicídio. Sabe-se também pelos dados existentes que são sobretudo os homens que
se suicidam. E a diferença, em relação às mulheres, é significativa.
Nos últimos anos, na
região do Ave, a realidade parece ter mudado abruptamente. Em 2010, um alto
responsável de saúde falava em mais de 30 suicídios nesta região. O director do
Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar do Alto Ave
afirmava que “num ano fizemos 15 mil consultas, 200 internamentos e temos seis
mil pessoas em atendimento continuado”, por motivos de saúde mental. Outra
técnica do mesmo serviço hospitalar, referindo-se ao problema do suicídio e
apenas no Alto Ave, explicava “que num só ano de avaliação destes casos foram
162 as tentativas de suicídio na região do Alto Ave, 128 das quais perpetradas
por mulheres e 34 por homens”.
Que circunstâncias podem
explicar esta alteração súbita e, principalmente, que razões podem explicar
esta disparidade relativa entre as tentativas de sucídio das mulheres, que
agora se sobrepõem exponencialmente às perpetradas pelos homens?
Será da depressão
acentuada do Vale? Condições orográficas específicas? Masoquismo genético por
consanguinidade geográfica? Valerá a pena fazer as contas? Determinar a
percentagem de crescimento do suicídio feminino? Estabelecer o índice de
suicídio X, ípsilones acima da média habitual para a região? Porque se
apaga este desesperante mal-estar social? Por que razão até hoje nenhum
suicídio do Vale do Ave foi visto como um acto de desespero político? Acharás
também que o facto de a prostituição feminina ter aumentado visivelmente no Ave
é uma questão de gosto pessoal? Economia alternativa? Ali abundam factos que
estabelecem a ligação da lógica de poder capitalista ao patriarcado. Observa-se
como os fins lucrativos do mercantilismo, ao assentarem numa visão patriarcal,
ganham rentabilidade ao fazerem perdurar uma discriminação sobre a mulher, que
sofre uma “dupla” opressão conjugada.
A prostituição e o suicídio
são gestos extremos. Gestos carregados até à boca com o silêncio. Ou, mais
precisamente, carregados pela atmosfera de silenciamento. Gestos coagidos a
reprimirem o próprio grito. E esses gritos reprimidos, se audíveis fossem,
atingir-nos-iam. Como nos atingiu a imolação de Mohammed Bouazizi. E se
ninguém havia reparado nisso é porque as estruturas sociais que determinam o
que é e não é político lavam a humilhação a que homens e mulheres anónimos
estão submetidos e sublimam o sofrimento humano através do prozac; do
gabinete do psicólogo, que encerra a humilhação económica e espiritual em
causas individuais; através dos padrões de sucesso e insucesso moldados pelo
omnipresente central-shopping, essa amável atmosfera de luxo e falsa
abundância; através do culto ao artigo-consumidor, do Ferrari do patrão
à publicidade, esse programa contínuo das televisões; através da impostura dos
Centros de Emprego, pressionando os desempregados (já em si fragilizados pelas
condições de violência económica que enfrentam) a aceitarem a integração na
máquina exploratória, ou promovendo acções de formação compulsivas, que
qualificam para melhor produzir, ou seja, para tornar mais eficiente a
exploração, sem qualquer intuito de fortalecer os recursos dos trabalhadores
para melhorarem a sua condição laboral; enfim, apaga-se a condição do suicidado
pela sociedade através da destruição dos laços comunitários e, nessas
latitudes nortenhas, ainda com a excomunhão da alma-penada católica. Esse
apagamento planeado das razões políticas e sociais do mal-estar humano,
enfraquece-nos e destrói o sentimento de pertença a um colectivo, tudo aquilo
que, a pouco e pouco, serviu e serve a renovada estratégia do neoliberalismo, o
braço cultural do capitalismo: fazer crer que cada um de nós é um
corpo-autómato que vive separado da realidade dos outros... tudo aquilo que
engendra as condições óptimas de inércia e isolamento, a ponto de a cultura
dominante ter feito de cada um de nós uma espécie de técnico de assistência à
eutanásia colectiva.
Porém, tomados por átomos
individuais, continuamos a ser usados secularmente, em massa, na engrenagem
colectiva da organização da mentira económica do capitalismo: a máquina de
produção. Como se pode chegar ao artifício de fazer crer que o espaço físico e
temporal onde as pessoas passam mais horas da sua vida activa não é,
precisamente, a matéria mais política que pode existir (existe) na vida social?
Se esse espaço se intromete na existência humana dessa forma tão extensa, como
despolitizar todas as consequências que acarreta estar compungido a um local de
trabalho, onde se é explorado, onde não se dispõe de poder de decisão, onde se
está submetido a uma hierarquia, onde se faz, na maioria das vezes, um trabalho
entediante, triste, opressivo, onde não se tem acesso ao que ali se passa,
mesmo se o que ali se passa é feito à custa do esforço e do sacrifício do
trabalhador?
O que tens a dizer? Que os
problemas do Vale do Ave (que estão por todo lado, mas ali concentrados) são
inevitáveis?
Diz-me, consegues tu
explicar porque é que nos jornais não saem aquelas infografias tão catitas, já
não com bonequinhos em chamas na orla sul do mediterrâneo mas com a corda do
enforcado ou frascos de anti-depressivos? No teu jornal de eleição, não haverá ninguém
especializado na farsa a frio?
Tu conheces a lengalenga.
Mas não te enganes. O ditado que corre de boca em boca é a versão popularizada
composta pela História oficial. Se te abeiras das gentes dali e dacolá,
tentando perceber como eles problematizam o problema, porque enfrentam eles um
contexto crónico de violência económica e social, ou, mais correctamente,
porque foram submetidos a esse contexto, enquanto o patrão que os esmifrou se
passeia sem peso na consciência e um incalculável peso na carteira, escutas
como resposta: “Foi porque o patrão trabalhou para isso...”, apesar de terem
sido eles a esfalfarem-se, a fazerem o pior trabalho, o mais rotineiro, o mais
cinzento, o mais pesado, o mais sujo, apesar de terem trabalhado uma vida
inteira para alimentar a opulência do patrão; tu não aceitas essa versão e,
então, eles e elas emendam a resposta, dizem, talvez tenha sido dos estudos,
“estudou para isso o nosso patrão...”, esquecendo-se da sua própria filha
diplomada e caixa no Intermarché, ou inscrita nessas agências de viagem
à exploração em classe resort, à espera de uma vaga para camareira na
Suíça... a troco, claro, de ter escondido que tem um diploma, de que nada lhe
serviu (tirando o estágio não remunerado que fez na fábrica do patrão dos pais,
esse que para vencer na vida não precisou de diploma, munido que estava com um
mestrado na arte do roubo organizado), e de ter pago uma maquia em euros pelo
serviço da agência, essas que em breve receberão subsídio do Estado para
lucrarem em privado com a fraude da exploração pública; então, posto a nu que
afinal o patrão não passa de um analfabeto equipado, o tom da resposta muda um
tanto, pressente-se que a convicção começa a claudicar, então, então, “o patrão
teve sorte!”, apre que são sempre os mesmos poucos a ter sorte e tanta gente
sem sorte nenhuma; apesar de menos crédulos, resta-lhes a expressão com que se
refaz o mundo, um sentido total para a submissão e a exploração, mas
inapreensível pela razão: “Foi Deus que assim o quis”. Que qualquer deus seja
uma arbitrariedade, ontem como hoje, não foi precisa muita ciência para que o
capitalismo o destronasse, como profeta incontestado dos tempos modernos.
Tu, que já não tens a
desculpa da crença na nossa Senhora, talvez queiras agarrar-te à mentira da meritocracia.
Até onde penetrou a cultura liberal no teu pensamento? Vamos, compete lá, já
começaste a competir pelo teu mérito... mas convém que não olhes para as
estatísticas, evita a náusea, toma I-só-star e serás o campeão… é que
entre 700 mil desempregados (oficiais, fora aqueles que por instinto,
consciência ou cansaço, há muito sabem da inutilidade de estarem inscritos numa
anomalia), e 1 milhão de precários, olha que tens que correr muito, vá lá, por
este andar ainda alcanças os mínimos para ires ao Rio em 2016, que rico
carnaval mercantilista será…
Explica-me, como podes
acreditar na democracia (por democracia suponho que entendes o que diz o senso
comum, igualdade de direitos e oportunidades) se passas a tua vida num local de
trabalho onde não experimentas a democracia? Onde não só não experimentas a
democracia, mas és estimulado à competição, ao individualismo, ao falso mérito,
à obediência, à impossibilidade de questionar o poder estabelecido nesse local
onde passas a vida, ainda assim, acreditando que acreditas na democracia?
Diz-me, qual é a tua evasão? Vergas pouco a mola, és maganão? (Não seria a
menos resiliente das atitudes... Por falar nisso, será que se os maganões
fossem tão significativos em número, seria possível criar tanta riqueza acumulada,
tanta fortuna nas mãos da oligarquia?).
Se sabes que racionalmente
não há compatibilidade nenhuma entre a construção da democracia, das tuas
necessidades, da tua palavra, do teu direito a viver, com o desprezo humano que
está imbuído nas organizações onde todos estamos integrados (que sob a lógica
do mercantilismo, do lucro, dos mercados, qual pesadelo global, se baseiam no
princípio da hierarquia, do autoritarismo, da oligarquia, do segredo, e da
força da violência), como compatibilizas a “verdade” da tua vida e dos teus
valores com a mentira que te cerca? Dir-me-ás como fazes, para te
compatibilizares na tua vida diária com essa mentira que nos cerca? Diz-me, não
terás uma única esperança, as tuas entranhas não guincham?
Ali no vale do Ave vê-se
melhor a precariedade em que assenta a globalização neoliberal,
base em que por sua vez assenta toda a sociedade e a civilização capitalista.
Via-se desde há mais de uma década o que nas nossas vidas parecia estar a salvo
(fazer-te crer que estavas a salvo, fazia parte da ilusão, da cosmética e do
marketing das indústrias de distração), quando apenas estava um pouco mais
oculto, mas já entranhado na nossa pele. Agora vês.
Ali também se estabelece a
relação com a crise ecológica global. Com o desprezo pelo ambiente natural, com
a utilização devastadora e anti-racional de recursos. Da urbe veio o que nela é
pobreza para aniquilar o que no “campo” era riqueza. Na medida em que a
civilização assenta na escravização da natureza não existirão pessoas livres,
sociedades igualitárias e autodeterminação generalizada. Não existirá
sustentabilidade ecológica sem o desmantelamento da máquina de produção e
consumo do mercantilismo.
A Indústria e a ideologia
do industrialismo significam a dominação técnica dos meios do capital
para atingir os fins do capitalismo, à custa da submissão dos trabalhadores e
da exploração irracional dos recursos naturais. A maquinação, a automação, a
tecnologia moderna, a tecnociência, são realizadas dentro de um plano de
necessidades da produção capitalista, da sua expansão e domínio. A Indústria e
o mito do (falso) progresso que a legitima não nasceram de uma necessidade
esboçada pela sociedade, entendida esta como colectivos conscientes e
politicamente capazes de decisões conjuntas, nem procuram na sua essência a
emancipação humana. Se quisermos entender (ecologicamente) a humanidade no seu
todo, se admitirmos o princípio democrático de que humanos somos todos – todos,
e não apenas “nós, brancos, ricos e civilizados”... –, se não condescendermos
que a abundância material é um bem em si e que a degradação espiritual é um mal
menor, dificilmente encontraremos argumentos para ver na industrialização um
processo emancipatório. Sobretudo, se questionarmos o resultado mais profundo e
nocivo deste falso progresso: a renúncia humana a ser dono e dona das suas
próprias condições de vida.
No ensaio eficaz da
sociedade mercantilista no Ave, vê-se a Europa e o mundo. E o que vês
(particularmente na Europa) parece-me medonho: o capitalismo avançado (é sempre
divertido dar uso a este tipo de jargão tão sedoso...) foi tão longe que para o
capitalismo sobreviver tem de hoje regressar ao capitalismo primitivo. A Europa
que acumulou recursos materiais, tecnológicos, culturais, científicos – à custa
da exploração contínua e da pilhagem de bens naturais nos países dominados -,
como provavelmente nenhum outro continente (o ponto de vista da acumulação vale
por ser uma constatação, não cabendo nesta passagem nenhum cunho avaliativo a
esse processo de acumulação), não conseguiu mais do que conduzir a sociedade a
este beco absurdo: a proletarização caminha para que um assalariado trabalhe
para fortalecer o poder e a riqueza de uma elite, não assegurando ao mesmo
tempo para si as condições necessárias para pagar a casa onde vive e a sua
comida. Nem ao senhor lhe ocorreria negar um tecto e a comida aos seus
escravos...
Em termos gerais, a
campanha do capitalismo actual é baixar salários, destruir direitos laborais e
restaurar condições reais de submissão dignas de traficantes negreiros,
esvaziar (ainda mais) os sindicatos e, com estas linhas de força, fortalecer o
seu poder e manter o nível dos seus lucros. Nestas crises, que servem para o
grande capital redefinir a sua parada, constata-se que os poderes que regulam
governos e economias não só já não se esforçam por esconder que legitimam com
as suas acções e práticas políticas a desigualdade existente e o ecocídio
actual, como provam que desejam expandi-las. Isto é, tornar essa realidade, já
de si intolerável, não só real e planetária, como dar-lhe corpo de lei e
normalizá-la. Uma agenda de dominação e de devastação. Num olhar atento,
saltará à vista a coerência entre o princípio capitalista de crescimento
contínuo (premissa anti-económica e, por isso, irracional) e esta intrínseca
necessidade de o capitalismo só conseguir sobreviver se se expande, se essa
agenda de dominação e devastação cresce continuamente.
Na Europa pejada de
recursos, parece uma ironia de mau-humor que massas materialmente privilegiadas
(nas últimas três décadas, uma geração cresceu generalizadamente com um
manancial de condições materiais dificilmente comparável em grau a qualquer
outro período histórico na Europa) só reconheçam o colapso de uma fase do
capitalismo quando elas próprias se sentem em colapso... material. Não andará
longe da verdade dizer que a despossessão espiritual, levada a cabo pela
cultura de integração neoliberal, nunca bateu tão fundo no tocante à separação
das causas e dos responsáveis desse colapso civilizacional. Num contexto de
degradação social e humana tão profundo, quer a incapacidade generalizada de
reconhecer o confronto, quer a perda intuitiva e racional de apontar na
direcção daqueles que estabelecem a violência e o mal-estar que entram nas
nossas vidas, parecem paradoxais. A cultura liberal jogou alto na assimilação
dos valores espirituais cultuados pelo capitalismo (individualismo, obediência,
quebra de laços comunitários, competição, meritocracia, patriarcado,
empreendedorismo, consumo-logo-existo) e venceu a toda a linha.
Neste contexto de
destituição dos meios espirituais e da sua autonomia,
os movimentos contestatários (em Portugal) poderão cair no caminho equívoco da
reapropriação como fim da luta. Será que raiz destrutiva do sistema actual, tanto
no campo espiritual como no económico, já não acumulou provas suficientes para
que na Europa abastada seja ainda o peso na carteira e o ditame económico, mais
do que uma negação racional de um sistema cultural inadmissível e injusto e/ou
um sentimento vital de revolta, a engrenarem a marcha da contestação?
O equívoco da
reapropriação do poder – que a própria esquerda marxista-trotskista deixou cair
em 40 anos, edulcorada pela integração cultural da negociação dos direitos
laborais e dos direitos do consumidor, abdicando de pôr em causa os detentores
de poder (que ao menos fizessem jus à consciência prática e combativa dos seus
antepassados recentes, o que faria falta), malgrado jamais houvessem
questionado o poder em si, os seus mecanismos, as suas práticas de
hierarquização das organizações sociais, nem o modo capitalista de produção,
nem a mentira do progresso enquanto extorsão da natureza para consolidar o
lucro e a hegemonia de meios de controlo social e político... etc., etc., ...)
–, pode voltar a repetir-se, se os intuitos de transformação da realidade
social não trouxerem uma revolução espiritual, dos valores e dos fins dessa
transformação social. Enfim, se não formos capazes de desmantelar e de tornar
obsoletas essas formas, aparatos e práticas do poder dominante. Caminho que
será esboçado quando as populações reganharem a capacidade para agir sobre o
seu próprio mundo, as suas necessidades e os seus desejos.
Desvalorizando a crítica
radical à lógica do mercantilismo e condescendendo com o sistema de poder
político da democracia representativa, assim se continuará a dar a margem de
manobra que o poder dominante precisa para ditar o que é o colapso e
para pensar por antecipação nas estratégias de preservar o seu domínio.
Enquanto não nos anteciparmos aos conceitos e às renovadas formas de
dominação do capitalismo, continuaremos amarrados aos seus aparatos
dissuasórios, aparatos que regulam a vida para impedi-la que tome lugar. É
preciso extinguir o medo. E com ela, extinguir o medo à lei... se antes da lei
vem a vida e o grito.
Não chegou já o tempo de
reclamar a vida, antes de pedir um emprego ou melhores condições salariais? Não
chegou ainda o tempo de criar alternativas económicas que refutem a técnica
destrutiva do capitalismo?
É preciso questionar o
tormento de não ter um emprego onde se passará a vida sem poder dizer népia
sobre a vida, onde tudo o que ali se passará é decidido por quem nunca iremos
conhecer. É preciso perceber que nesse altar invisível reaparece uma miragem,
uma miragem inquestionável, qual muti-milagre-multi-nacional, prá menina e pró
menino, restabelecendo a pia crença no senhor... É preciso extinguir o
medo ao Estado, que se vende e que te vende a ti... e que tormentos são estes
face à vida que lá vai? Face à comunidade que deixa de existir? Face à natureza
destruída? Poderemos deixar que esse medo e esse tormento nos aviltem mais?
Quanto tempo perderás mais à espera de uma libertação dependente de uma
circunstancial rotina em que dizes “fazer pela vida”, quando nesse espaço de
tempo sabes que raramente tens oportunidade para viver? Porque essa
circunstancial rotina não passa, bastas vezes, do bussiness as usual com
que amos e chefes te tragam a vida.
Padecendo de um
aborrecimento mortal, sem desejo, fantasias argumentos para que te convenças
que o pesadelo diário da tua vida (o sonho dos oligarcas e amos da sociedade) é
“um mal menor”, quando sabes que o sonho que te vende uma universidade, o
paleio de um qualquer gestor de recursos humanos num inquérito-entrevista ou um
anúncio de TV, são tudo aquilo que (primeiro) não te podes permitir nem
alcançar. E depois, (segundo) permitir o quê? E alcançar o quê? Tornar-se um
auto-empresário da sua condição exploratória? Ganhar um lugar ao sol na máquina
de destruição de recursos? Passar a integrar a gestão política ou económica do
descalabro social e ecológico? Mas poderemos sair da impotência, que nos
esmifra a vida e a vontade de viver, pedindo pela integração na máquina que
perpetua a humilhação e a injustiça social? Podemos exigir reformas, a um
sistema que argutamente não pára de se reformar, não na direcção das ilusórias
expectativas de transformar a sua base anti-democrática e oligárquica, mas no
sentido de se auto-sustentar ao expandir a exploração e a dominação?
Não é o sistema que tem de
começar de novo, é a nossa vida em comunidade, cooperação e
autogestão. Trata-se antes de reganhar uma consciência imediata das condições
que asseguram a vida plena, a vida autónoma e colectiva. Trata-se de perceber no
imediato que a expropriação dessas condições e recursos, em nome de um
falso progresso, equivale à destruição de uma cultura, aquela que entende que a
vida é inextricável do mundo colectivo onde ela se dá e realiza. O rastro deste
paralelo parece extraviado. O liberalismo é isso mesmo: separa-nos do mundo e
das pessoas que como nós passam por espaços “com gente”, onde a vida se
perde. Assim nos separamos docilmente, homeopaticamente, do que há de humano,
assim nos separamos de nós mesmos.
E é necessário, de uma vez
por todas, voltar a ver nisso um confronto à vida. E não ter dúvidas que esse
confronto é organizado, é operativo. E que essa operatividade é condição
própria das máquinas de poder hegemónico (Estado, Banca, Indústria). O poder
político, económico, financeiro e cultural, continua a organizar essa violência
e, simultaneamente, a apagar a proveniência desse confronto.
O monopólio oficial do
poder – dos que dele usufruem – regula “a verdade” e bloqueia percepções e
outros ângulos de visão – com a sua tropa, desde os Media, instituições
culturais e educativas, e a tropa armada para os casos em que a intoxicação
espiritual não produziu os efeitos desejados e/ou necessários. Limpar o ar do
fumo tóxico da ideologia liberal mercantilista que os governos e as suas
nano-máquinas destilam é um passo necessário.
Volta a ser mais claro
agora que antecipar o humano à lei e ao capital não é mais do que querer
viver. Voltando (?) a ser necessário na Europa responder a essa questão parida
pelo tempo que vivemos, só parece possível uma resposta fruto de uma cultura
revolucionária, criativa e criadora.
“Não
se pode ser neutral num comboio em movimento”, dizia o
historiador e activista norte-americano Howard Zinn. E precise-se: a
neutralidade não é neutral. A neutralidade gera também ela energia neutral. A
inacção gera inacção. E, entretanto, faz com que o comboio continue a sua
marcha imparável.
Fizeram-nos crer que somos
neutrais. Que o nosso espaço comum normal é a neutralidade. Fizeram-nos crer
que habitar neutralmente é uma espécie de vida, quando se trata antes de
assistir à sua destruição como um espectador. Sem que o houvéssemos pedido,
fizeram da nossa vida confronto e violência, e chamaram-lhe contrato social,
sociedade do bem-estar, contrato de trabalho, progresso, direitos universais do
homem... Houve até quem tivesse bom humor (é preciso rir!) e lhe chamasse
capitalismo de rosto humano...
Cai-se no engodo (quem não
cai, assim sujeitos à parafernália da cultura que nos cerca), que um contrato
de trabalho por se lhe chamar contrato é uma coisa feita igualmente pelas duas
partes. O contrato, entre outras coisas, serve para legitimar e domesticar a
oposição criada pela propriedade privada, por sua vez resultado da acumulação
de lucro, de capital, por sua vez obtido à custa de todos. E este “à custa de
todos” parece hoje uma verdade oficial. Parece uma lei imemorial, praticamente
inquestionada. “É vida... tem de ser...”. Não será mais uma daquelas verdades
fabricadas pelo tempo? E essa verdade, não servirá melhor os poucos que
lucram à custa de todos, do que serve “aos todos e todas”? Há quem use
termos económicos e académicos para explicar esta evolução técnica e cultural
de um sistema de dominação se apropriar da vida de milhões de pessoas. Não há
tempo, a tua paciência esgota-se. Sirva a caricatura para atalhar um outro
ângulo de visão sobre essa verdade. Antes, à entrada, o senhor
punha grilhetas, depois o feitor governava-se facilmente com a soberania do seu
amo, que tinha o rei e um deus a zelar por ele, veio ainda o capataz que
explorava a miséria com um polícia à porta da fábrica. Os corpos obedeciam,
entravam, não tinham remédio. Passaram muitos episódios, caíram grilhetas e os
cassetetes foram guardados para outras ocasiões. Agora tu entras com o
teu chipezinho bio-métrico para subires na vida, qual self-made-automatóide, e à
saída põem-te um hiper-mercado e um playground para te entreteres,
para seres tu e só tu, para escreveres a tua história privada. E a História
estabelece que “a verdade” consentida é o remédio para a miséria espiritual e
que funciona eficazmente nos tempos modernos e pós-modernos. Mas, como tu não
gostas de passar por ser um automatóide (nem ninguém), se calhas de recusar entrar
nessa História porque não queres essa saída, o cassetete ai bem que
regressa. O capitalismo nasce na arbitrariedade e faz-se valer da violência.
Rege a tua vida. É confronto. Estabelece-te como um oponente, ao mesmo tempo
que apaga os traços da sua arbitrariedade.
Que magia é essa que nos
faz esquecer que, na sua base, o capitalismo é confronto, é violência, é
violação do teu poder de existir?
Como restituir a memória e
a consciência desse confronto?
Não saberei demonstrar num
texto (já demasiado longo...) aquilo que outr@s
souberam fazer no passado ou fazem hoje no presente.
Eu sei que rechaças estas
questões, eh pá, não vamos tão longe, também não é assim, a coisa não é
assim tão negra!
Será que o que tu gostas
na democracia liberal-representativa é que te deixem em paz? Mas... que paz?
E quando vês um prédio a
arder no Porto? (Rechaças um prédio a arder no Porto...?) Será que o morador
não cumpriu com as normas de segurança? Será que não lhe reconheces o direito a
aquecer o quarto frio onde dorme com os meios de que dispõe, como tu fazes o
mesmo com os meios que tu dispões? Será que as vítimas eram maganões? Não
acreditavam na meritocracia? Achas que são os gestores executivos da EDP, por
terem tido a qualificação granjeada por serem ex-políticos ou amigos pessoais
de políticos, que fizeram por merecer condições de privilégio absolutamente
indignas, quando na base social a pobreza alastra a ponto de não haver meios
senão para velas e baldes de tinta a arder com restos de lixo? E se fossem
maganões e não acreditassem um pingo que fosse nesta “treta”, merecem morrer e
passar frio sem que te interrogues das razões e condições que os tornaram
supostamente maganões e descrentes nesta sociedade? A parede deles estava mais
encostada do que a nossa... eu estou farto que ignores essa parede, a deles, a
nossa, a tua... é só isso.
A violência e as chamas
que tu admites são as que aparecem, fantasmáticas, na TV.
Essa violência é espectáculo dócil, tem sempre um final feliz, porque tu sabes
que está sempre resolvida sem que precises de tomar parte nela. Aquela
realidade não é tua, não é de ninguém, é de quem “a apanhar”, procede de um
passe de mágica, todavia menos sofisticado (tanto nos meios como na própria
extensão tecnocrática dos dispositivos) do que a técnica cultural destilada
para que te alienes da corda do enforcado do Ave e das paredes arruinadas e em
cinza dum prédio do centro histórico do Porto. Assistes a um drama e sabes que
a tua quota-parte é absolvida pelo feitiço do teu individualismo começar
onde acaba a destruição do outro... Ao menos ali, na TV, haverá sempre os
bons e os maus. Mal termina a reportagem, termina a violência, alguém deu
sumiço aos maus, que voltarão no próximo episódio, e ainda podes contar com o
sorrisinho do pivot ao serviço. Entretanto, tentas escapar ao
campo da realidade.
Deste modo, a aparente
ordem social mantém-se estável. A distribuição dos papéis não sofre alteração: os
bons são sempre os mesmos e passam, inatacavelmente, a verdade; a
mentira desta verdade com que os bons preservam a sua proeminente bondade
e a sua mediática (e hiper-mediada) verdade é fabricada, diariamente,
pelos Media de massa; os maus são actores secundários, usados em
palco para manterem a encenação do espectáculo, segundo as circunstâncias
necessárias para a fabricação da bondade e da verdade dos bons; e
depois, vens tu, protagonista indispensável para dar um sentido total e
perfeito a esta ficção durável. Um fetiche funcional em lopp.
A gestão da violência da
democracia é invisível. É um “crime perfeito”, como diria um sociólogo, tão
certeiro quanto cínico. Está descansado, não te vendam os olhos. Muito
menos te cegam. Não. Saturam-te a retina com um programa ininterrupto de
imagens, discursos, símbolos, de maneira a que percas as condições para pensar
no que vês e a faculdade para tomares decisões sobre o que vês; deixam-te sem a
possibilidade de escolheres o que vês, excluem-te as opções de como ver.
O que significa para ti a
destruição de edifícios propriedade do poder e do grande capital em Atenas
(puramente simbólica – e os greg@s
não pilham, como nos subúrbios de Londres... é apenas uma constatação, mas é
notório que a cultura contestatária grega não quer consolas como consolo...) e o
confronto físico com forças policiais, quando comparada à violência
necessária para sustentar o funcionamento constante do sistema capitalista
global?
Se ardem, como perder de
vista que um sistema político de organização da sociedade queimou terreno,
durante décadas e décadas, e foi deixando um longo, mas muito longo rastilho?
Dão-te guerra e exigem que sejas tu a pacificá-la, eis a pedagogia de controlo
da classe dominante. Pacificar a guerra em que converteram a tua vida.
Quando não se quer
violência, quando se rejeita a violação da vida e
a depredação dos recursos naturais e o seu uso irracional, quando se acredita
na autodeterminação, a sociedade em que vivemos deixa de se poder aguentar
racionalmente dentro de nós. É possível abrir um mundo, um mundo distinto deste
mundo enfeitiçado por falsos pactos de estabilidade, por sono, por tédio,
humilhação, servidão, depressão e destruição. Sim, existem tantos caminhos
possíveis como formas de pensar a realidade e o mundo. E nenhum porto é o fim
da linha. Antes o começo de outras partidas. Mas pensa no exemplo de gregos e
gregas quererem determinadamente pôr em causa tudo aquilo que te causa
mal-estar, pensa se essa determinação e energia não têm de estar contigo da
próxima vez em que sairmos à rua.
Na verdade, não basta sair
à rua: é preciso ficar na rua. É preciso não virar costas. Não se pode não
ficar. É preciso passar a estar lá onde estamos sem-estar. Pensa
nos caminhos de autogestão traçados pelo jornal Eleftherotypia, pelo
hospital de Kilkis, na ocupação do Mercado Municipal de Kipseli, nas várias
ocupações que se deram de universidades gregas, onde sobressai a ocupação da
universidade de Exarchia. Pensa se não devíamos ser nós a tratar da nossa
comunicação, do nosso corpo, do espírito e do estômago. Pensa no Es.Col.a no
Alto da Fontinha, no Porto. Pensa no que começaria a mudar na nossa cultura, se
cada bairro, (ao menos...) se cada cidade tivesse um espaço colectivo e
autogestionado, com decisões colectivas tomadas em assembleia aberta,
circulação transparente da informação e a todos acessível, trabalho mútuo e
solidariedade. Enfim, em qualquer forma autónoma de construção social com o
horizonte numa vida livre de capitalismo e de estruturas anti-democráticas.
Se as criações sociais
revolucionárias te parecem hoje chatas, obsoletas, fora-de-moda (quem espera
por vernissages na rua há-de partir de espírito alcatifado...), num
tempo de profundo mal-estar social, isso explica em grande medida o grau de
aculturação que nas últimas décadas baixou o imaginário da vida humana e o medo
que nela foi incutido.
Tal como não era possível
saber até que ponto chegaria o modelo capitalista (ou até que ponto chegará...),
talvez nunca chegaremos a saber se será possível quebrar o medo geral e
construir um caminho de transformação global. Porém, o que sabemos hoje é que
existem caminhos já apontados e que são necessários, se queremos mudar
de vida e de sociedade.
VADIO
Março 2012
*(Um simples exemplo deste
processo espectacular de reprodução de uma realidade: há dois dias no
jornal Público, feito por pessoas inteligentes e preparadas, sai uma notícia
sobre as actividades de recreio e distracção de Bashar al-Assad, o ditador
Sírio. A notícia não se isenta – menos mal, embora pareça transparecer que um
ditador deve proceder de forma diversa, como se fosse mais normal um homem de
estado conservar no frigorífico os corpos que manda assassinar e, ao invés, não
se refugiar nos aparatos de poder, estatais e culturais, que lhe permitam
suavizar e sublimar a condição desumanizante e de separação existencial com o
outro, condição essa intrínseca a esses aparatos de poder – deflagrar essa
realidade doméstica com a brutalidade da violência que o seu regime faz abater
sobre civis. Há cerca de um mês, noutro artigo assinado no mesmo jornal, a
propósito da primeira declaração pública em que Obama assume que se recandidata
à presidência dos EUA, tecem-se loas a um novo discurso do presidente
que revela querer estar do lado dos “99%” de norte-americanos, preocupado e
sensível com o movimento Occupy Wall Street, ao mesmo tempo que não
aparecem referências aos recursos caseiros usados por Obama para se distrair
dos seus projectos de guerra, morte e tortura, linhas de acção estruturais da
política norte-americana e que a jornalista, por omissão, compatibiliza com os
“99%” e o movimento Occupy, baseado em princípios opostos à
administração dos EUA e em valores profundamente anticapitalistas. Mas
sobretudo o artigo estabelece essa compatibilização ao aceitar que a palavra de
Obama – o seu discurso, o discurso que proferiu nesse acto público – não faz
parte da legitimação da impostura das suas práticas, não passa de um cínico
discurso “da treta”, repescando as palavras de Bashar al-Assad a que a Media
aludiu).
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