1 - A
despolitização e o controlo social
2 - Elementos
básicos para a construção de alternativa
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1-
A despolitização e o controlo social
Os tempos
estão difíceis.
Estão difíceis
para a multidão, pelas questões que sabemos – desemprego, cortes nos
rendimentos e nos direitos, falsa democracia, ausência de futuro… Pretendemos
capear, em seguida, essas dificuldades, por uma razão que se situa a montante, uma
razão que, verdadeiramente, introduz dificuldades na compreensão do momento que
se vive e, no desenvolvimento de uma contestação organizada e genuína, de
refundação democrática da solidariedade e da equidade. A despolitização.
A despolitização
das últimas décadas, programada pelo poder, está contemplada na Constituição,
ao remeter para os partidos – com legalidade e subsistência financeira
assegurada pelo Estado – todo o protagonismo na ação política. E é errado
acusar exclusivamente a classe política saída do PREC, por isso. À medida que o
tempo foi passando, o povo foi engolindo as várias colheres de xarope de
histamínicos para se manter sonolento, sem os efeitos da alergia que convenientemente
deveria ter sentido, desde que o regime fascista caiu, face aos gangs mafiosos
que têm constituído o grosso da chamada classe política.
·
Numa primeira fase, o povo foi engolindo a
necessidade da “consolidação democrática” excelentemente retratada por José
Mário Branco no seu “FMI” (consolida, filho, consolida!) quando, de facto, o
que se consolidava era o poder do capital e a corrupção, sua inerência, em
termos monetários e de valores;
·
Depois, seguiram-se as colheres da “maioria de
esquerda” em que o PC mascarava o seu confortável conformismo com a eterna
espera de que o PS desenterrasse o seu parco esquerdismo do passado; e assim, o
povo esperava, adiava as mudanças, talvez para as próximas eleições, cada vez
menos participadas;
·
Entretanto, advieram duas doses de “FMI”,
mistura de purga e diurético que provocaram forte desarranjo na vida dos
trabalhadores, em 1977/79 e 1983/85; mas, os portugueses são um povo de fé e
continuaram a encontrar a alegria de viver no consultório do médico de família,
o PS/PSD;
·
O xarope seguinte veio do exterior e tinha na
embalagem o rótulo “CEE”. De acordo com a bula inclusa, curava a tosse mais
impertinente, a bulimia, a falta de estradas, de dinheiro, de amigos, de
prestígio… E não teria contra-indicações para grávidas, cardíacos, epiléticos
ou diabéticos;
·
A felicidade era tanta quanto a dos jovens
caloiros fardados de negro depois de beberem 20 ginginhas no Rossio. Foram
sorvidas doses industriais de fundos comunitários e crédito, à medida que se passeava
nas novas autoestradas vendo a indústria definhar e a pujança de uma bem
visível nova indústria, a do imobiliário, ouvindo o mavioso som das betoneiras;
·
Entretanto, veio a receita do euro, sem redução
do fluxo de dívida nem da saída de capitais para o exterior. Está tudo bem,
assegurava-se no consultório do PS/PSD; as dores nas costas é do tempo, as
digestões curam-se com dieta, a prisão de vente com um laxantezito, as impinges
com uma pomadita, a queda do cabelo com um elixir, as mamas descaídas com uma
cirurgia plástica, a disfunção eréctil com uns comprimidos azuis… mesmo para os
benfiquistas mais ferrenhos;
·
A alegria feneceu, não com a gripe aviária ou a
gripe A, mas com quatro frascos de PEC e uma consulta ao especialista Troika, depois
de uns açoites dados pela mamã Merkel, a Sócrates e Passos. Tudo acabará em
bem, para si e sua excelentíssima família, aconselhou o médico de família,
PS/PSD, na presença do estagiário Portas, após um esforço coletivo e algumas,
poucas mas, notórias excepções.
O consumismo,
adocicado com doses de xarope, ou as doses de xarope acompanhadas de consumo
real ou projetado afetaram a capacidade de pensar e causaram efeitos colaterais
na visão, contribuindo, em conjunto, para uma feliz despolitização, conveniente
para a impune montagem de um estado de cleptocracia avançado.
Assim e apesar
do seu arrastar de modo larvar, a crise, ao explodir em 2008 com ondas de
choque crescentes com a passagem do tempo-espaço (ao contrário das bombas),
encontrou uma população desprevenida e desprovida do hábito e da capacidade
para uma abordagem mais profunda das causas, dos efeitos e das soluções.
Em 2011 foi
ensaiado um xarope placebo chamado eleições, que substituiu a diarreia pela
disenteria; e entretanto, os laboratórios da margem esquerda do parque
industrial do controlo social mostram-se muito ativos na promoção do mesmo
produto, na esperança de melhorarem as suas comissões de venda e assim
garantirem ou, mesmo criarem, novos postos de trabalho, com rebuçados do dr.
Keynes.
Na realidade,
a plebe hesita ou mostra-se mesmo consciente de que o médico de família PS/PSD está
velho, gordo, reumático e gangrenado, só resistindo porque ligado à máquina da
repressão e ao apoio comunitário; no entanto, há quem dê ouvidos à gritaria dos
delegados de propaganda dos laboratórios da margem esquerda, reles vendedores
de banha da cobra, ainda que com qualidade atestada pela ASAE.
A ilusão
resultante da despolitização provocará o comodismo da toma do fármaco eleições;
ou, será a preguiça mental que constrói a ilusão de que tudo passará, através do
funcionamento do mercado de bens e de serviços, incluindo nestes, os
eleitorais?
Pouco importa se aquilo a que se assiste é a um arrastar dolente –
apesar das marchas e procissões, dos gritos, das faixas inflamadas e dos
sentidos epítetos dirigidos à mãe de Passos - sem ser sentida ou assumida a
necessidade da morosa e difícil construção de alternativa, para além e contra o
sistema de ditadura do mercado e das suas instituições. Nesse entretanto e para
o efeito, afadigam-se no seio do movimento social, os novos e velhos sofistas,
candidatos a mandarim, no sentido de reconstruir o controlo social e
tornarem-se os seus gestores.
Os quadros
partidários têm, em geral, baixa cultura política, mesmo quando possuidores de
elevadas habilitações académicas; para confraternizar com uma plebe ignara e
mansa, vai chegando. Em contrapartida, sentem-se confortados por se inserirem
numa cadeia hierárquica, detentora da “linha justa” e sobra-lhes um forte
espírito de pertença à seita, semelhante ao das claques do futebol, mais
baseado na emoção, no espírito de grupo, do que na endogeneização de uma
capacidade argumentativa.
Perante os
neófitos ou potenciais recrutáveis, aquelas são as caraterísticas que mais
usam, acenando com o conforto de se estar num grupo alargado, quando o contexto
social, sabemos todos, é gerador de isolamento e individualização. A tática para
o recrutamento não é diversa da utilizada pela IURD ou pelas Testemunhas de
Jeová junto de suburbanos desenraizados.
Nesse
contexto, reagem, sempre ríspidos, às críticas vindas de meios anarquistas ou
alternativos ou, encolhem as orelhas, não respondendo às mesmas, para evitar
discussões onde se possa evidenciar mais a pobreza política do partido junto
das “massas”; e logo se sentem tocados quando alguém critica o seu clube, tomando
a crítica como algo próximo do ataque ou ofensa pessoal. Parece que, como
pessoas, se anulam em função da sua claque, como as formigas face ao
formigueiro. A não reivindicação de carta de alforria pouco acontece porque no
fim da sua estrada está um cargo de mandarim e mordomias estatais.
2 - Elementos
básicos para a construção de alternativa
Entendemos que
no quadro do atual sistema capitalista de cariz neoliberal não há uma solução
aceitável para a multidão - em Portugal como em qualquer outro local - e que um
regurgitar keynesiano do sistema é ineficaz ou contraproducente; e, por outro
lado, que o atual modelo de organização e representação política não é mais
tolerável para amplos setores da multidão.
Desde os anos
setenta que o capitalismo não era tão falado como causa profunda dos nossos
problemas; e os modelos políticos de eleições mais ou menos manipuladas por
partidos conservadores, instalados numa ilusória dicotomia direita-esquerda,
estão muito desacreditados[1].
A questão não se coloca, como então, entre a chamada democracia burguesa, com
os seus partidos e a democracia popular, operária ou de semelhante designação,
dirigida por um partido único, com a legitimidade do seu auto-convencimento
como unívoca emanação dos trabalhadores.
A tese de que
existem classes sociais tendencialmente revolucionárias não é mais defensável, de
modo determinista, depois das experiências históricas do seu apoio a regimes
fascistas e populistas ou, do desastroso produto final de levantamentos genuinamente
revolucionários e transformadores.
As alterações
no padrão de vida, de aspirações ao consumo, o muito superior nível educativo e
da formação profissional dos trabalhadores, a segurança social e a
institucionalização sindical alteraram, moderando, os anseios de transformação
no pós-guerra. E, nos países menos desenvolvidos ou em industrialização –
apesar do impacto destruidor e entrópico do capitalismo - não se verifica também
a existência de amplos movimentos de trabalhadores com enquadramento político.
Nem sempre a miséria e o desemprego conduz à revolução, como foi considerado,
mecanicamente nos cânones.
Por seu turno,
a complexidade do processo produtivo aumentou imenso e exige trabalhadores qualificados
para lidar com máquinas e computadores, em tarefas que envolvem micro-decisões integradas
em redes de complementaridades mútuas. A segmentação e a repartição da produção
pelo mundo separa geograficamente os trabalhadores contidos na cadeia de valor
capitalista mas, torna-os integrados mundialmente numa produção global única.
Isso tende a apagar da História a razão de ser das nações e da sua função de
prisões de povos, excepto enquanto autarquias de gestão, divisão e
desvalorização do trabalho, entretanto já globalizado.
Aquela
segmentação e a integração da produção em redes rizomáticas – físicas e de
informação – têm, como essenciais protagonistas, trabalhadores com decisões
complementares e interdependentes. Como é o conjunto dos trabalhadores que
detém todo o saber científico e técnico, de gestão e organização, a função do
capitalista[2] tornou-se,
para além de nociva, abertamente inútil; constrói-se assim, a base material
para a morte do capitalismo como produtor de bens ou serviços.
A lógica capitalista,
a procura de lucro através da produção de mercadoria, exige uma atitude competitiva
que, por sua vez, obriga a investimento em tecnologias para aumento da produtividade;
paralelamente, esse aumento do custo de capital, gera enorme pressão sobre o
preço direto ou indireto do trabalho, para a manutenção de um nível aceitável de
lucros, num ciclo que encerra toda a lógica do capital. Tornando-se a taxa de
lucro baixa e as necessidades de investimento imensas, a produção efetiva perde
atrativos e adeptos em relação à especulação de títulos, câmbios, lotes de
mercadorias, etc. e à economia mafiosa, que deixa ao capital-dinheiro uma
grande mobilidade e versatilidade, quanto ao tipo de aplicação, ao local, ao
momento da mesma, propiciando ainda uma reprodução quase instantânea.
No âmbito da
chamada economia real, da produção de bens e serviços, existe o dilema clássico
do capitalismo que é o da necessidade de vender bens e serviços para recuperar
o investimento e ter lucro, sabendo que a massa dos potenciais compradores – os
trabalhadores, desempregados, aposentados - ostentam um escasso poder de
compra. Do ponto de vista dos capitalistas comuns, o grande aumento da
produtividade como fruto do desenvolvimento tecnológico torna grande parte da
população mundial excedentária, dispensável como capacidade de trabalho; o que
induz uma redução do seu preço, das condições e direitos laborais, para que
cada trabalhador seja “competitivo”, contando naturalmente, com o aparelho
coercivo do Estado, para impor docilidade. Por outro lado, ressentindo-se da
falta de poder de compra para venderem os seus bens e serviços, acentuam as
suas prendas, com publicidade, promoções, oferta de crédito, para cativarem os
rendimentos - presentes e futuros - do povo e ficam com aquela obsessão
exportadora esquecendo que nos outros países a lógica é a mesma. Essa
contradição, esse dilema é o do agricultor que quer ter sol na eira e chuva no
nabal; foi isso, que fez os estimáveis industriais e comerciantes lusos – os
que dependem do mercado interno, entenda-se – a desprezar a oferta de 5.5% de
TSU promovida pela biga Passos/Gaspar.
O desperdício
de pessoas já não se refere aos trabalhadores desqualificados do “terceiro
mundo”, como décadas atrás mas, gente com média ou elevada formação expelida da
produção capitalista, existente nos países avançados. E perante essa questão
sistémica, estruturalmente, perde parte do significado a aposta na “qualificação
da mão-de-obra” presente na propaganda dos governos e nas alternativas da
esquerda institucional. Por outro lado, havendo um aumento gradual das qualificações
médias, por força da complexização técnica do processo produtivo o excedente de
capacidade de trabalho mantém-se, igualizando todos os trabalhadores desocupados,
com qualquer tipo de habilitações. Cremos que toda a gente conhece numerosos casos
de pessoas qualificadas a exercer funções para as quais as suas habilitações
são excessivas ou desajustadas; é que a sobrevivência física exige que se
aceite qualquer trabalho e qualquer patrão, mesmo de vão de escada, adora salários
baratos.
Os
capitalistas tratam de justificar esse “excesso” de capacidade de trabalho com
a questão da “empregabilidade”, neologismo que, não por acaso, tem o mesmo
prefixo que neoliberalismo. Assim, a mercantilização do ensino – que em Portugal
tem conhecidos arautos como o impagável João Duque, eventualmente a promover a
marquês – passa pelo fomento dos cursos com interesse para as empresas e o
desprezo por outros, sem “empregabilidade”, nas áreas das ciências sociais, da
saúde, das humanidades e das artes, remetidos para o desemprego, baixos
salários, precariedade laboral; num contexto, em que o Estado se liberta de
responsabilidades na saúde, na educação e na cultura.
Poder-se-á
perguntar se o sistema financeiro global não absorverá todo esse excesso de
disponibilidade de gente pronta e qualificada para o trabalho, sem lugar na
produção de bens ou serviços, na economia chamada real. Claro que não, pois a
incorporação de equipamentos, a introdução de automatização transforma os
bancos e empresas correlacionadas em entidades vanguardistas na utilização de
tecnologias. A utilização de robots para acompanhar o jogo dos mercados
financeiros não é suscetível de criar uma grande massa de empregos no sistema
financeiro.
Entre as
empresas capitalistas produtoras de bens e serviços, na sua grande maioria,
dificilmente deslocalizáveis, pela sua dimensão, pela proximidade dos seus
mercados, por falta de meios financeiros e capacidade de gestão, essas, tendem
a tornar-se, tal como as famílias, totalmente dependentes do crédito, sem que
os bancos estejam interessados em as inserir em conglomerados financeiros ou
nas suas carteiras de participações; as que se conseguirem sobreviver, como é
óbvio. Por seu turno, as maiores, sobretudo exportadoras, facilmente escolherão
o canto do mundo “emergente” para onde poderão transportar a sua produção.
Porém, dada a
maior rendabilidade do sistema financeiro, intimamente dependente da liquidez
dos capitais que permite “investimentos” de curto ou curtíssimo prazo e com uma
faustosa soma de remunerações, há uma forte propensão para a passagem de
capitais da economia real para o sector financeiro que controla – não por acaso
- todas as fórmulas de fuga ou fraude fiscal, planeamentos fiscais, utilização
criativa de “offshores”, etc. Se nos lembrarmos de uns quantos “empresários”
mediáticos de tempos atrás, vamos encontrá-los como titulares de participações
financeiras, acionistas de referência e, certamente, em operações nas bolsas –
Ilídio Pinho, Pedro Teixeira Duarte, Berardo, Manuel Fino, Vaz Guedes… Caso ainda
mais interessante é o do velho grupo dos Mellos, que largou a indústria e
atracou no negócio das autoestradas e na saúde, com lucros assegurados por
contratos com o Estado.
Nestas
condições, de transferência de capitais para um sistema financeiro, mais
flexível e rentável, despojado da necessidade de instalações e equipamentos
fabris, de grande número de trabalhadores, problemas de abastecimento de
matérias-primas ou colocação de produtos, torna-o dominante e o fulcro do
sistema capitalista atualmente. E, como tal, não só influencia o aparelho de
estado e os mandarins, como sempre fez, mesmo quando não dominante, como se
incrustou nesse aparelho, nomeando e demitindo os mandarins, de acordo com as
suas conveniências na área económica mas, também no âmbito do controlo ideológico,
social e de gestão da democracia de mercado. Neste tempo em que vivemos, no
mundo ocidental, os aparelhos estatais, de caráter nacional ou plurinacional
foram apropriados pelo sistema financeiro global.
Se a
existência de um sistema financeiro dominante a nível nacional nada tem de
novo, a criação multifacetada de órgãos de vocação estatal, de cariz
plurinacional, bem como a colonização dessas agregações criativas pelo sistema
financeiro global constitui um facto novo. É a primeira vez que existe um
sistema global, para além da competição pelo poder que se desenrola no seu seio
que, face aos povos, se encontra unido e concertado. Depois, porque a multidão
e os trabalhadores em particular encontram-se a anos-luz desse grau de
articulação, unidade e organização; contrariamente ao que sucede com o capital financeiro
– no qual prevalecem os fatores de unificação face aos trabalhadores e aos
povos, estes acham-se, manietados por diversões estatizantes ou abertamente de
direita, constituídas pelas centrais sindicais, pelos partidos ditos de
esquerda ou da constelação da Internacional Socialista.
No quadro da
mercantilização crescente da satisfação das necessidades humanas – reais ou
artificiais – da concentração de capitais no sistema financeiro e colaterais, da
segmentação regional da produção de bens e serviços, não há lugar para milhões
de pessoas no designado mundo desenvolvido, estando ainda em curso medidas de
contenção demográfica, com destaque da China.
Nos países
ocidentais, a apropriação do aparelho de estado pelo sistema financeiro, acompanhada
pela menor relevância relativa na produção de bens e serviços gera grandes
encargos sociais relativos a uma população envelhecida, com grande desemprego e
enormes bolsas de pobreza. Cabe a este propósito referir o logro ideológico que
em Portugal se estabeleceu sobre uma “classe média” que deve ser encarada mais
como um conceito estatístico do que propriamente referindo a existência de um
grupo social próspero e capaz de suportar uma economia equilibrada, com um
volume razoável de rendimentos. O quadro seguinte descreve a repartição dos
agregados familiares de acordo com o rendimento bruto, em 2010… antes do
assalto perpretado pelo PS/PSD e pela Troika.
|
M3 - 1
|
M3 - 2
|
<19000 €
|
60,7
|
58,7
|
19000-50000
€
|
35,8
|
29,5
|
>50000 €
|
3,6
|
11,8
|
Total
agregados (1000)
|
3309,6
|
1410,8
|
M3-1 – Apenas rendimentos de trabalho e pensões
M3-2 –
Existência de outros rendimentos
É fácil perceber que um rendimento bruto anual
inferior a 19000 € não permitirá um grande nível de bem-estar sobretudo nos
agregados com duas ou mais pessoas. As faixas intermédias, tendo em conta que a
grande maioria dos preços em Portugal são de caráter global – quando não mais
elevados – não permitem um nível de vida que se aproxime do observado na Europa,
por muito que se sublinhe que Portugal é um país comunitário, do euro, entre os
países ricos da OCDE...
Sobretudo nos tempos que correm quando se preparam
cortes salariais e nas pensões, dificuldades ou custos acrescidos no acesso à
saúde e uma vasta gama de reduções nas deduções em sede de IRS. Essencialmente,
em Portugal há pobres, menos pobres (pobreza envergonhada, como se designava no
tempo do fascismo) e uma classe média ridiculamente pequena; ter uma casa (desvalorizada
pelo mercado) para pagar por dezenas de anos e uma carripana à porta não é
suficiente para caraterizar uma classe média.
Entre a
mobilização do dinheiro dos impostos para o pagamento de juros de dívida, dos
gastos com o aparelho da defesa e segurança ou os vários expedientes de
contratação e formação de rendas, por um lado e, o cumprimento das obrigações
sociais nas áreas da saúde ou da educação, o sistema financeiro dominante não
hesita nas ordens que transmite aos mandarins do momento. Entre o contributo
para a aumento da produtividade e da competitividade ou o cumprimento
escrupuloso do serviço de dívida e a redução do impacto da recessão na multidão,
a escolha é conhecida.
Tendo plena consciência
do seu domínio político a nível global, do seu controlo das principais
entidades plurinacionais ou internacionais da globalização, o sistema
financeiro tem programada a libertação do planeta de toda uma massa de gente,
improdutiva, como reformados, desempregados e pobres em geral tomados como fatores
de custo orçamental e ainda, fracos consumidores. E, com toda a frieza,
programam a redução e a burocratização do acesso a cuidados de saúde, as
condições de habitação e alimentação, num genocídio lento e disfarçado que
pretende reservar o planeta para uma nova casta, já não baseada na raça, como
os nazis mas, no poder do dinheiro, bem como dos seus serventuários: mandarins,
mercenários policiais e militares e os produtores de bens e serviços
necessários ao seu bem-estar e reprodução social.
Nos tempos de
hoje, não se está na presença de uma crise vulgar, na parte baixa do ciclo
económico, como aconteceu aqui, em 1983/85 ou em 1993/95 quando,
respetivamente, a chegada de fundos comunitários, ou a bolha do crédito e do
imobiliário se iniciaram, para dar uma ideia de progresso (pugresso como diz
Cavaco), de modernidade, de bem-estar. Esta crise não tem uma solução
nacionalista, dada a integração de Portugal na Europa comunitária e na economia
global.
Trata-se de
uma crise generalizada a todo o mundo ocidental, suavizada pelas fortes taxas
de crescimento dos países chamados emergentes. Não se resume a uma luta dos
vários grupos capitalistas pelo controlo dos recursos e da capacidade de
trabalho; há uma preocupação em abater parte substancial dessa capacidade de
trabalho, em avançar com um ajustamento demográfico que a de que a “procura” de
trabalho às necessidades das empresas.
Por
conseguinte, o capitalismo não procura apenas salários reais mais baixos a
partir de atualizações inferiores à taxa de inflação, no âmbito da habitual luta
entre patrões e trabalhadores, de caráter sindical - mesmo esquecendo a
integração conservadora no sistema capitalista da esmagadora maioria das
instituições sindicais - somada à habitual intervenção dos governos e dos Estados.
Trata-se de assumidas
reduções reais de salários e de direitos impostas de uma forma brutal pelo
capital financeiro global com a utilização de instrumentos de ordem política,
impostos pelos governos. Essa atuação dos estados não se restringe a uma
pressão sobre os trabalhadores, pois abrange a esmagadora maioria da população,
com particular gravidade sobre desempregados, aposentados e a população
marginalizada em termos de rendimentos e direitos.
Neste sentido,
há que proceder à concertação das lutas dos povos, numa base internacionalista
dada a integração dos espaços e dos povos através da globalização capitalista;
à declaração do caráter decididamente anticapitalista, uma vez que capitalismo
corresponde a desperdício, desigualdades, miséria e ameaça de genocídio para parte
significativa da Humanidade; à afirmação de democracia verdadeira, com a recusa
do ordenamento da democracia de mercado, com o seu estado repressivo, aos seus
partidos e profissionais da política, como principal instrumento de domínio
político por parte do capital financeiro, com a entrega do poder de decisão à
multidão auto-organizada.
A verdadeira alternativa
não se encontra dentro do sistema político atual, na sua estrutura económica,
nem na sua falsa democracia. A alternativa é a multidão assenhorear-se de toda
a tecnoestrutura produtiva e orientá-la para a satisfação das necessidades da
Humanidade e não para o lucro e o primado da mercadoria; a alternativa é uma
democracia protagonizada por grupos de pessoas comuns, com relações de
proximidade e interdependência, ultrapassando as atuais divisões nacionais,
étnicas ou religiosas.
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