Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, ontologia "estuda o ser em si, as suas propriedades e os modos por que se manifesta".
Ainda segundo o mesmo documento, deontologia é o "estudo dos deveres especiais de uma situação, particularmente dos deveres das diversas profissões (Do grego déontos, «o dever» e lógos, «tratado»).
Destaco estes dois termos a propósito da absolutamente vergonhosa capa do "jornal" I. E afirmo-o novamente, para que não restem dúvidas: vergonhosa. Não é a primeira vez que a escolha e montagem dos elementos de uma peça noticiosa parecem alvo de hábil concepção. Nem é sequer a primeira vez que a própria capa de um matutino, destaque de um noticiário radiofónico ou televisivo dão conta, na sequenciação dos seus elementos, de uma posição ideológica que pretende gerar um determinado efeito no receptor. Não sejamos inocentes: a montagem de uma peça não é, desde há muito, território virgem em posicionamentos políticos. Mesmo quando a deontologia jornalística aconselha a uma imparcialidade que lhe devolva o estatuto - há muito perdido - de watchdog político, e de Quarto Poder. Mas nas últimas semanas, quer por via dos editoriais do seu actual Director, quer por via da escolha dos elementos destacados e do seu alinhamento, há exercícios de alinhamento político como não via há algum tempo, e que fazem corar alguns dos mais infelizes exemplos de jornalismo não isento de que há memória. Mesmo considerando que vivemos no país onde Alberto João Jardim tem o apoio descarado de um diário madeirense.
A conotação da esquerda política grega - destacada no título - com as imagens de violência colocadas na capa já seria, por si só, uma prática jornalisticamente condenável, digna de figurar nos manuais como constituindo exemplo a não seguir. Mas somar-lhe a tónica de alerta e de mobilização contra uma suposta emergência dessas forças políticas gregas, ameaçadoramente próximas de uma vitória eleitoral e, mais ainda, atribuindo-lhe já um plano maquiavélico de - e o verbo não é inocente - "rebentar" um acordo do qual, na realidade, praticamente apenas um Governo não eleito participou, é, a todos os títulos, absolutamente vergonhoso.
Sei bem que vivemos no país da inconsequência, sobretudo discursiva. O mesmo país onde o Presidente da Associação Nacional de Municípios incita à violência física contra fiscais ambientais, sem perder o cargo ou a liberdade. O mesmo país onde um deputado furta gravadores a jornalistas e, como "sanção", é designado para Comissões Parlamentares de Justiça. O mesmo país onde o Presidente da República se queixa de ganhar pouco sem perder o mandato. O mesmo país onde o Primeiro-Ministro insulta a pobreza e o desemprego, e nada ocorre. Mas começa a fartar-me que, para lá de tudo isto, agora também orgãos de Comunicação Social tomem o seu partido até sobre política de países terceiros, incitando à discriminação pura contra dois partidos políticos, e nada se passe, amigos como sempre, "o povo é sereno", "porreiro, pá" e todas aquelas outras misérias orais com as quais continuamos a desresponsabilizar aos outros, no que fazem, e a nós, no que deixamos que seja feito. Até onde chega a passividade colonoscópica dos portugueses?
2 comentários:
Brilhante, Pedro! Que texto! Merece ampla divulgação!
Obrigado :))
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