Eis a "Democracia" portuguesa no seu melhor:
- quatro
em cada dez pessoas não quiseram ou puderam dizer o que pensam da
direcção actual da Região Autónoma da Madeira. Seria, a esse título,
relevante saber por que razão não votam nestas eleições os milhares de
cidadãos nascidos e inscritos nos cadernos eleitorais da região (se, por
comparação, é possível a um migrante português eleger o seu presidente,
por que razão não é possível a um migrante madeirense participar destas
eleições?). De qualquer modo, interessa registar esse dado: apenas
pouco mais de metade dos eleitores elegeu, de facto, alguém;
-
recompensou-se, claramente, nestas eleições o discurso do ódio, o
discurso negativo, o discurso sancionatório. De um lado, o responsável
material e moral da reiterada prática de enganar tudo e todos no que
respeita a contabilidade da região; uma pessoa que insulta quem for
preciso (e os jornalistas são presa frequente do seu discurso
ordinário), que desrespeita qualquer instituição que se intrometa entre a
sua agenda e o dinheiro necessário para mantê-la; uma pessoa que não
tem pela inteligência dos seus conterrâneos nem o respeito nem a
elegância de lhes explicar que o seu nível de vida é artificialmente
mantido por benefícios retirados aos restantes cidadãos do país de que
se recordam fazer parte apenas quando convém. Alguém que,
deprimentemente, continua a retirar dividendos da predisposição de
alguns madeirenses para a (contra-)discriminação dos "continentais",
esse colectivo indistinto que parece apenas movido pela agenda da
"retirada de direitos legítimos adquiridos pelos madeirenses". Interessa
pouco quem mantém realmente a liquidez dessa garantia. E seria irónico
se estivesse de facto ao alcance da inteligência de alguns o facto de
usarem para criticar a acção do "Estado Central" o mesmo discurso
sindicalista ("direitos adquiridos") utilizado pelos mesmos "cubanos" a
quem se rejeita cronicamente. Do outro, a imagem não é melhor: uma
coluna de partidos e sensibilidades políticas que nunca soube encontrar
as pontes necessárias entre si para dar (pelo menos) a ilusão de querer
trabalhar em conjunto, preferindo atacar o actual titular do cargo em
detrimento da apresentação das políticas em que demonstrariam ser
melhores que ele; um conjunto de pessoas que, estrategicamente, fizeram
mais o elogio de si próprios que das suas ideias, das suas sugestões,
das suas soluções;
- assistiu-se, pela enésima vez, à
realidade do exercício do direito ao voto aliciado, quando não coagido;
perante instituições como a CNE, cujo mandato é muito claro mas a
vontade de cumpri-lo nem tanto. Fica por saber de que forma será, no
curto prazo, "recompensada" essa incapacidade primária para enquadrar, à
luz da lei, um acto eleitoral independentemente da região em que
decorre. Mas, e retomo o raciocínio, reproduziu-se a impunidade habitual
de quem age em eleições com o desplante de as reduzir a uma formalidade
necessária e indigna do nome que enverga, para não dizer do esforço de
quem, no passado, a tornou possível: e de uma forma tão torpe e
absolutamente desligada de qualquer sentido de cumprimento das normas
que roçou o patético ouvir ao Presidente da Região Autónoma da Madeira
assumir ser "sempre assim". Colocados perante a evidência de que os
cidadãos não são todos iguais perante a lei, como "garante" a
Constituição (e considerando que, materialmente, ainda garante o que
quer que seja), não espero menos dos meus concidadãos a mais absoluta e
cristalina desobediência civil, obrigados que passam a não estar a
cumpri-la também. Obviamente, não sou ingénuo ao ponto de considerar que
o farão: nestas coisas do Absolutismo eleitoralmente enquadrado, o
caprinismo nacional conforta-se em demasia na sua condição caprina;
-
finalmente, entre aqueles que "apanham as canas da festa", os
"enquadradores do regime" a quem diariamente é dado o direito à
legitimação de tudo via media, grassou novamente a máxima
deslegitimadora "rouba mas faz" e é "compreensível" que o eleitor,
movido pelo egoísmo com o qual associa a condição de cidadão, vote com a
carteira e não com a consciência, reconduzindo no cargo a habilidade de
sonegar aos outros o que não produz sozinho desde que o eleitor colha
dessa fraude algum benefício individual. Para uma parte demasiado
significativa (e significativa também por ser demasiada) dos
comentadores políticos mediáticos e mediatizados, a real politik
demitiu-se definitivamente de qualquer consideração moral: o eleitor é
egoísta, não se importa de viver com a consciência de que quem paga o
seu estilo de vida são os outros, e a "democracia" é isto mesmo, ponto
final. Se provas faltassem de que esta República caminha a passos largos
para a obsolescência (e já é lisonjeiro considerar que ainda caminha,
ou de que caminha nessa direcção em vez de já se encontrar nela), temos
agora certeza quanto ao ramalhete composto: eleitos corruptos, eleitores
interesseiros, comentadores que, legitimando-os, se consideram
legitimados.
Este é o país que me deram para viver,
para observar, para compreender. Onde anda o seu livro de reclamações, e
a quem a dirijo? É que depois de ter tentado resolver o problema agindo
sobre ele, começo a reconhecer a limitação das minhas capacidades e
direitos, e a necessidade de alguém que o desentupa.
1 comentário:
Muito bem vindo! : )
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