Com cada vez maior frequência, surgem na política - considerada
simultaneamente enquanto arte da administração mas também enquanto arte
da discursividade - formulações que devem merecer-nos a mais veemente e
transparente recusa, sobretudo quando consideramos que os seus agentes
constituem, enquanto representantes de outrém, um retrato de cada um de
nós.
Atendendo apenas à dimensão discursiva da acção desses agentes, assume cada vez maior importância a figura estilística do eufemismo enquanto veículo do branqueamento (quando não opacidade) de algumas posições e medidas, atribuindo-lhes uma natureza mais light e, dessa forma, facilitando a sua aceitação.
No
decurso de uma intervenção no 4º Congresso Nacional dos Economistas, a
decorrer em Lisboa, António Lobo Xavier assume, eufemisticamente, não
saber “até onde pode ir a compressão dos
princípios constitucionais”. Sublinho a escolha, não inocente, do eufemismo compressão.
É particularmente relevante a escolha do termo atendendo não apenas à
acção política conhecida de Xavier, mas sobretudo o seu enquadramento
profissional - Jurista - e a aura de credibilidade que o mesmo empresta
ao seu discurso num país onde é (re)conhecida a vassalagem do pensamento
à profissão do orador.
Ainda que seja possível
conceber a hipótese de que o seu discurso tenha sido informado por
alguma cautela quanto a potenciais efeitos nocivos - até do ponto de
vista jurídico - da escolha de termos mais, digamos, transparentes, a
verdade é que assumir que "todos os julgamentos legais estão a ser sujeitos à
necessidade do Estado" significa, para lá do eufemismo e da sua opacidade, que a compressão deve ser entendida enquanto violação dos tais princípios constitucionais.
Significa, portanto, e com as palavras todas, estar em curso nesta
formulação de Xavier uma tentativa de neutralização do tom negativo e
incómodo da expressão violação da Constituição, substituindo-a por uma muito mais comedida, confortável e inócua compressão. O equivalente a considerar a fome como um certo emagrecimento do corpo.
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