20111020

Now you see me, now you don't

Há que saber apreciar a criatividade retórica e a desresponsabilização própria que ela permite. A linguagem, já dizia Wittgenstein, é problemática e presta-se, como qualquer fenómeno social, a uma extrema elasticidade que permite a uma mesma pessoa defender uma ideia e o seu contrário sem que se aperceba imediatamente da asneira.

João Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, mostra-nos de que forma fácil podemos fazer o milagre do desaparecimento dos pães em simultâneo com o da multiplicação da culpa. Afirmou Salgueiro recentemente que a responsabilidade última do endividamento dos portugueses pertence... aos próprios. Antes que me respondam que o acto de consumir e de dispender é individual e (pelo menos teoricamente) consciente, deixem-me abrir um pouco o problema.


Significa isto que:


- a culpa da dimensão das taxas de juro e comissões bancárias absolutamente usurárias e da margem de lucro que permite ao sector da banca um nível de enriquecimento que não tem paralelo na sociedade portuguesa (excluída, obviamente, a classe política ao centro e à direita, como facilmente se deduz pela análise das carreiras e qualidades de vida absolutamente meteóricas produzidas nas últimas décadas;

- dos efeitos da acção especulativa de alguns sobre a Economica e condições de vida de todos;


- das decisões políticas tomadas pelos Governos em matéria de Economia e Finanças, e da forma como (não) regula o sector bancário;


- da relativa (por comparação) ausência de informação ao consumidor-cidadão;


pertence ao cidadão. Ou seja, a base da pirâmide social é, para Salgueiro, a verdadeira responsável por todo o cumulativo de decisões tomadas desde o topo, e da qual é frequentemente o destinatário mudo, quando não cego. Significa também isto que o próprio Salgueiro, a quem não é alheio algum contributo político para o status quo (quanto mais não seja pela acção de lobbying político que a ABP exerce), consegue com esta invisibilização própria, diluir pelos miseráveis a responsabilidade última pela sua condição, confundindo confortavelmente mandato para governar e definição das medidas concretas de Governo. Há uma relação moral entre ambas? Certamente. Mas há diferença objectiva entre a representação e a prática.

1 comentário:

Moriae disse...

Esse é daqueles que perdeu uma boa oportunidade para estar calado ... Que traste!