Há que saber apreciar a criatividade retórica e a
desresponsabilização própria que ela permite. A linguagem, já dizia
Wittgenstein, é problemática e presta-se, como qualquer fenómeno social,
a uma extrema elasticidade que permite a uma mesma pessoa defender uma
ideia e o seu contrário sem que se aperceba imediatamente da asneira.
João
Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, mostra-nos de
que forma fácil podemos fazer o milagre do desaparecimento dos pães em
simultâneo com o da multiplicação da culpa. Afirmou Salgueiro recentemente
que a responsabilidade última do endividamento dos portugueses
pertence... aos próprios. Antes que me respondam que o acto de consumir e
de dispender é individual e (pelo menos teoricamente) consciente,
deixem-me abrir um pouco o problema.
Significa isto que:
- a culpa da dimensão das taxas de juro e comissões bancárias absolutamente usurárias e da
margem de lucro que permite ao sector da banca um nível de
enriquecimento que não tem paralelo na sociedade portuguesa (excluída,
obviamente, a classe política ao centro e à direita, como facilmente se
deduz pela análise das carreiras e qualidades de vida absolutamente
meteóricas produzidas nas últimas décadas;
- dos efeitos da acção especulativa de alguns sobre a Economica e condições de vida de todos;
- das decisões políticas tomadas pelos Governos em
matéria de Economia e Finanças, e da forma como (não) regula o sector
bancário;
- da relativa (por comparação) ausência de informação ao consumidor-cidadão;
pertence ao cidadão. Ou seja, a base da pirâmide social
é, para Salgueiro, a verdadeira responsável por todo o cumulativo de
decisões tomadas desde o topo, e da qual é frequentemente o destinatário mudo, quando não cego.
Significa também isto que o próprio Salgueiro, a quem não é alheio
algum contributo político para o status quo (quanto mais não seja pela
acção de lobbying político que a ABP exerce), consegue com esta
invisibilização própria, diluir pelos miseráveis a responsabilidade última pela sua condição, confundindo confortavelmente mandato para governar e definição das medidas concretas de Governo. Há uma relação moral entre ambas? Certamente. Mas há diferença objectiva entre a representação e a prática.
1 comentário:
Esse é daqueles que perdeu uma boa oportunidade para estar calado ... Que traste!
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